segunda-feira, 30 de maio de 2011

«a melhor parte»

«Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada» (Luc 10:42).
No episódio das duas irmãs, para Marta, Maria está sem fazer nada, enquanto ela está numa azáfama, a servir. Não deixará de ser do mesmo modo intenso o amor que de modos diferentes Lhe manifestam, uma servindo-O, outra escutando-O e contemplando-O, a Seus pés.
A generalidade dos comentários a este passo, porém, parte do pressuposto de que há em cada um de nós uma Marta e uma Maria e defende um compromisso (que o motto da ordem beneditina - ora et labora - sintetiza). Esquece-se, porém, que tal como são raros os «sábios» (no sentido que traduz «sage», em francês), também são raros os que nascem com uma predisposição para a contemplação, uma «orientação do coração» para algo «que se ama sem se saber o que no mundo possa ser» (já muitas vezes aqui citei estas palavras de Traherne, à revelia do que ensina a Escolástica), algo que está nessa orientação, nesse amor e por sua via se dá a experienciar. Por isso outra é a perspectiva, outro é o modo de olhar do contemplativo. Falei de um «sétimo sentido» num post anterior, um sentido que o contemplativo terá mais apurado, estando implicado na sua especial e rara inclinação.
No mundo que conhecemos, voltado para a acção, é inadmissível um comportamento congruente com esta inclinação e o contemplativo vê-se, com ou sem clara consciência disso mesmo, violentado na sua opção mais profunda e íntima, empurrado, à superfície, nesta ou naquela "linha de acção" (só o nome assusta), em que se não revê e que lhe causa estranhamento. A «melhor parte», a da sua escolha, passa desapercebida aos demais, quando não é desdenhada, ou mesmo condenada.

As «mãos de Maria» e os «braços de Marta» surgem, porém, a par nesta canção em que uma e outra são invocadas (parece-me muito bela, tanto na música como na letra, que me está a ser muito difícil captar na íntegra):