sexta-feira, 7 de outubro de 2011

a poeticidade (1)

É na noção de «suplemento» desenvolvida por Derrida, decorrente daquilo que faz com que a identidade de um texto (em que se combinam a repetibilidade e a diferencialidade), seja a mesma, mas não idêntica (e falo do que Derrida chama a différance), que vejo acrescida e consolidada a percepção benjaminiana da “sobrevida” do poema. 
A quadra em que Thomas Traherne confia à sua destinatária o livro para ela escrito tem, naturalmente, um primeiro nível congruente de leitura: não tendo o autor enchido todas as páginas do livro em branco que aquela lhe oferecera, convida-a a encher com a sua própria escrita o espaço que ficou vazio. No entanto, mesmo às páginas plenas, no acto de as ler, ela acrescentaria sempre um «suplemento», simultaneamente necessário e supérfluo, em que sempre algo de si estaria envolvido. O acto de escrita que lhe é pedido é comparável à glosa ou à tradução no papel que estas têm não apenas na sobrevivência (Fortleben), mas e especialmente na "sobrevida" (Überleben) do texto original.

Não se pode esquecer, porém, o facto óbvio de que a sobrevida de um texto envolve a preservação da vida que já lá está e lhe advém da poeticidade que lhe é inerente, porventura comparável ao "sopro" - insuflado no acto da sua criação - o "sopro", o "espírito" que anima de vida/Vida a criatura. D. H. Lawrence tem a percepção do perigo que ameaça de extinção esse sopro, ao mesmo tempo que sobreleva o entendimento do que o sustenta:

«Once a book is fathomed, once it is known, and its meaning is fixed or established, it is dead. A book lives while it has the power to move us, and move us differently; so long as we find it different every time we read it.[...] The real joy of a book lies in reading it over and over again, and always finding it different, coming upon another meaning, another level of meaning.»

O que o autor diz do livro "vivo" autoriza a que reconheça na poeticidade o que lhe assegura essa mesma vida, que a dinâmica da suplementaridade sustenta e intensifica. Se tudo está sujeito a esta "lei", um poema está-o, porém, de um modo muito especial, tanto mais especial quanto à sua inerente poeticidade é intrínseca a componente que partilha com a música e que verdadeiramente o faz poema.