segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Outono dourado

Não é só a aceleração do tempo. São as descontinuidades, os saltos. Abrem-se abismos no que aparenta ser a linearidade temporal. Este comboio não corre sobre carris, ou, se corre, é de repente catapultado para a estação adiante, sem ter passado pelo espaço intermédio, como o electrão no interior do átomo.
A antecipação da reforma apresenta-se como uma libertação, nas circunstâncias, como a felicidade. A penalização salarial, ainda que máxima fosse, seria sempre ridícula ante tamanho bem. Se cheguei a pensar pedir uma licença sem vencimento...
Porém, uma vez alcançada, um espesso nevoeiro se interpôe diante da perspectiva luminosa que a apresentara como uma sabática a prolongar-se por uns largos anos, dedicados ao estudo, à leitura, à escrita. Não contara com a verdadeira penalização, a mais pesada, a que me rouba, de uma outra maneira, os anos que me teriam sido roubados (literalmente, pois que não sobreviveria) pelo trabalho nas condições insustentáveis de que a memória basta para, até ao último dos meus dias, Lhe dar graças por me ter libertado.

Vou tomando, porém, uma cada vez mais clara e dolorosa consciência de que terei, de novo, dado um salto no tempo, comparável ao que dei aos vinte anos quando, de repente, deparei com o fosso que se abrira entre mim e as amigas com quem até aí partilhara os risos e as brincadeiras dos "verdes anos". Ficou-me para sempre gravado na memória o dia em que estaquei a meio de uma das minhas corridas pelo corredor da Faculdade (andava sempre a correr) ao ouvir as suas gargalhadas atrás de mim. Riam da figura que eu fazia, esquecida de que estava já no sexto mês de gravidez. Se me sentia tão leve na plenitude biológica que tal representava para mim.  Naquele momento, porém, aferi o que verdadeiramente representava para "os outros". Sim, os outros. É face ao "outro" que é medido o salto. Se para mim eu ainda era a mesma... No entanto, deixara de pertencer ao seu mundo. Tinha passado para "o outro lado". Para o lado dos que «casaram e foram felizes para sempre» das histórias infantis? Não. Para o lados dos que  «casaram». Ponto final.  Nesse mesmo ano comecei a trabalhar. Um mundo onde eram bem nítidos os dois lados. Nunca me consegui integrar no meu. (Hoje questiono-me se alguma vez terei verdadeiramente pertencido ao outro. Diria que não).
É, pois, a segunda vez que vejo encurtado o tempo, já de si tão célere. Fica a impressão de que assim como o Verão me roubou a Primavera, assim o Inverno me rouba o tão ansiado Outono. As suas cores quentes, a sua luz dourada. A colheita. A Vollendung. Desejando fruí-la como não desejei nenhuma outra antes, vejo-me destituída dela, como outrora da Primavera. Assim como me foi antecipado o Verão com o casamento e maternidade, assim me é antecipado o Inverno com a reforma. Terei puxado demasiado depressa o fio da história que me contava a minha avó?

(A foto é de F.M., que me autoriza a colocá-la aqui).