quarta-feira, 31 de agosto de 2011

modelo científico e metáfora (revisited)

imagem colhida aqui
Ecos distantes de La métaphore vive recordam-me que, na sua relação com o real, os "modelos científicos" são, na sua essência, metáforas, pertencendo, tal como estas, não à lógica da prova, mas à lógica da descoberta. Seduz-me, naturalmente, esta perspectiva que me autoriza a reconhecer, também nas propostas da ciência, um plano de significação metafórico-simbólica. Tal é o caso relativamente à diferenciação genética dos sexos, xy e xx. Reavivado o interesse que sempre a questão me suscitou (pelo alcance simbólico que sempre lhe reconheci), encontrei, em On science, uma referência a descobertas não muito recentes (mas que, naturalmente, ignorava) que levam à constatação de que, afinal, não é nada daquilo com que contavam os biólogos,  havendo muito mais nos genes do que tinham suposto (segundo o mesmo artigo,  haviam atribuído quase tudo ao desenvolvimento hormonal, mais dependente das condições do meio). Transcrevo um passo elucidativo (o destaque é meu):

«Our view of the differences between the sexes has recently undergone radical revision. (...) In June of 2003, researchers reported the full gene sequence of the human Y chromosome, and it was nothing like biologists had expected. (...)Taking all these genes into account, geneticists conclude that men and women differ by 1 to 2 percent of their genomes -- which is the same as the difference between a man and a male chimpanzee (or a woman and a female chimpanzee). So we are going to have to reexamine the basis of the differences between the sexes. A lot more of it may be built into the genes than we had supposed.»

Alguém disse que sempre que a ciência e a religião entraram em conflito, a ignorância pesou para um dos lados. Prefiro esta perspectiva à que vê uma incompatibilidade absoluta entre ambas, perspectiva que diria ser a dos "fundamentalistas" de um e de outro lado, fóbicos um do outro, mas irmanados na mesma cegueira ao símbolo, tão triste como a cegueira às cores e muito mais deplorável.  Uns e outros jamais entenderão que, se o literal pode ser invalidado, o mesmo não acontece ao simbólico, a menos que se lhe pretenda "pregar" (na dupla acepção do termo) um sentido. O convite à criação de sentidos é-lhe inerente, mas também lhe é inerente não deixar que lho preguem: «arrancará o prego e fugirá com ele» (aproprio-me desta formulação de D.H.Lawrence num outro, mas congénere, contexto).