segunda-feira, 22 de agosto de 2011

o apelo da floresta

Na serra d'Aire (já falei aqui do fascínio que tem para mim) ainda é possível perdermo-nos nos caminhos da floresta, mesmo sem nos aventurarmos fora do asfalto. Uma floresta (dominantemente de pinheiros e eucaliptos) a que se adequa mais o termo latino "silva" do que o alemão "Wald", mas onde não deixa de haver também esses «caminhos que não conduzem a lado nenhum», trilhos convidativos a que os sigamos a pé, sem qualquer intuito, nem mesmo o de «nada procurar», apenas respondendo ao convite. O que há neste que o torna irresistível? De quem parte e o que é que em mim responde? Entre o que a minha mãe deixou do que um dia foi oferta minha está este desenho, do tempo (década de 70) em que confiava ao traço e à cor o meu inverbalizado sentir. Talvez faça sentido trazê-lo agora aqui.

Num verão da minha infância, em Poiares, num dos passeios no pinhal que fazia com a minha irmã, saímos uma vez do caminho conhecido, muito longe e já lá onde terminava para nos embrenharmos por um desses trilhos que, por experiência,  já sabíamos não ter continuidade, prosseguindo, então, a corta mato, encosta abaixo. Respondia, porém, a um apelo diferente do que escuto na Serra d' Aire. Sabia ser o da água e de todas as maravilhas que prometia em termos de fauna, o meu maior fascínio. 
O que imprimiu à experiência um carácter que veio a tomar os contornos de símbolo não foi a aventura (embora tivesse consciência do quanto nos tínhamos afastado de casa e de que nem por sombras o sonhariam os nossos pais), mas a «visão» proporcionada pelo avistar da ribeira, quando já desesperava de a encontrar e tinha pela frente o penoso retorno, agora encosta acima. Ficaram imagens soltas, "flashes" incrivelmente coloridos da cintilação da água, entre as pedras, enormes algumas, formando pequenos lagos, cheios de vida (peixes, girinos, rãs, cobras de água, cágados, sem falar nos insectos). Uma visão do jardim do Éden.
Nunca mais voltei a fazer o «caminho da floresta» até à ribeira e chego a duvidar de que sequer a floresta ainda exista. Pertence às memórias tornadas míticas de um Poiares envolvido na luz dourada de um pôr-do-sol que fotografia alguma consegue captar. 
É outro, porém, agora o apelo da floresta - nem a de Poiares perdido, nem a da Serra d'Aire ainda e sempre "aí" - não se situando em ponto geográfico algum, mas nem por isso menos (se não mais) "real". Por essa floresta me embrenho, mais ainda agora, sem intenção alguma (nem mesmo a de nada procurar), perdendo-me nela.