Eros e Agape (1)
"«Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele » (1 Jo 4, 16). Estas palavras da I Carta de João exprimem, com singular clareza, o centro da fé cristã (...)." Assim começa Bento XVI o texto da sua primeira Carta encíclica.
Mais adiante, diz: «Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundidade e amplitude.» E explica: «(...) agora o amor já não é apenas um « mandamento », mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro.»
Devo dizer que só agora, que me proponho pensar, pela escrita, a ligação entre eros e agape - é que, sabendo que Bento XVI aborda nesta Carta este tema, me dispus à sua leitura. Atribuo não o ter feito antes à fraca motivação que provoca em mim a consciência dos constrangimentos que em matéria de escrita forçosamente se colocam a quem escreve como Papa nos tempos que correm.
É verdade que, sendo dirigida aos «fiéis» (desde os consagrados aos leigos), os "não fiéis" não estão, em princípio, contemplados, não lhes cabendo pronunciar-se. Mas é só o que legitimamente não podem fazer, já que legitimamente podem ler e bom seria que, de boa fé, o fizessem. O maior constrangimento não me parece, porém, vir destes, mas da heterogeneidade de "fiéis" face aos quais há que ter a mansidão do cordeiro e a prudência da serpente.
É assim que sinto sempre em mim, quando leio textos desta natureza, a tensão entre o que pode ser dito falando a uns e o que poderia ser dito falando a outros, no meio ficando o que é efectivamente dito. Se já S. Paulo se confrontava com este problema, cuja solução estará porventura contemplada entre os muitos sentidos que têm sido sugeridos para «ouk aschmonei», em 1 Cor 13: 6.
Diria que será em atenção a uns que, na última frase que citei da Carta encíclica, faz uso do adjunto modal "apenas", se bem que fragilizado pela ausência, porventura em atenção a outros, do correlato "também". Um modo de conciliar uns e outros. Na verdade, o "mandamento do amor" só é inteligível enquanto tal se o entendermos como o entendeu Maria: amar é ter abertas as portas do coração, é acolher o amor quando ele vem ao encontro, é dizer-lhe incondicionalmente "sim". Na forma verbal "amarás" é o estar predisposto a abrir, a acolher, a dizer sim, que constitui a "modalidade" de "mandamento", o "acontecimento em si", o dom do que é dado a sentir enquanto amor, depende d' Ele inteiramente. Haverá no amor uma «escala de perfeição» a culminar naquele que é o supremo dom do Espírito, contemplando em si todos os outros dons.
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