«um pedaço de qualquer coisa»
Da “tabela periódica dos elementos”, oito constituem 90% da crosta
terrestre enquanto quatro perfazem a mesma percentagem do que em nós é a «casca» de que nos vamos desprendendo, a «veste» que vamos despindo, isso que fica aí, «como um pedaço de qualquer coisa». Uma tradução feliz esta, de Paulo Quintela, para «wie ein Stück (...), rein wie ein Stück».
Teria uns sete ou oito anos quando, ao sair da
catequese na igreja dos Anjos, a curiosidade me fez aventurar-me a
descer sozinha à cripta, onde se fazia, tinham-me dito, a vela dos mortos.
Ainda me pergunto como é que não encontrei ninguém. Só o caixão aberto e lá dentro o que, sem ter alguma vez ouvido falar em tal, me pareceu exactamente isso: «um pedaço de qualquer coisa».
Quando, muito mais tarde, li os Cadernos de Malte Laurids Brigge, evoquei este episódio, bem como outros mais, sendo grande a profusão dos passos que narram ou aludem a
experiências que me não eram de modo algum alheias (como a da máscara de cera da afogada no Sena, da aventura da mão no escuro
debaixo da mesa, das reflexões despoletadas pelos restos de vida ainda agarrada às paredes que, de cada lado, sustentam os prédios
demolidos, a percepção da intransitividade do amor, etc.).
1 Comments:
admirável percentagem esta, a da tabela periódica.
belissimo texto..
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