livre arbítrio vs destino
A questão do determinismo vs liberdade, ou destino vs livre arbítrio, parece-me comparável à de Deus jogar ou não aos dados ou à de o fotão ser uma onda ou uma partícula. Tudo depende do que se queira ver, o que à partida parece pesar a favor do não determinismo, que não tem necessariamente de se equacionar com o acaso, senão com a liberdade.
Quanto mais penso nestas coisas mais acredito numa realidade multidimensional que infinitamente extravasa a nossa capacidade de compreensão. É por isso que tomo como metafóricas todas as teorias explicativas e faço a minha escolha segundo um critério em que o estético pesa tanto ou mais que o plausível.
Claro que, à excepção de uma só, as nossas escolhas nunca são inteiramente livres, sendo como são sempre fruto de uma quase infinita complexidade de relações de causalidade e de mútua implicação (digo quase infinita pois que ao sempre reduzido número das que conhecemos - e que são as que vemos emergir na «ordem explicada» - há que juntar a multiplicidade daquelas que, permanecendo na «ordem implicada», não deixam de pesar).
A excepção de que falo só a posso colocar numa linguagem infantil: dizer "sim" (ou "não") a Deus. Não se trata de uma opção tomada uma vez por todas, mas que podemos ter de tomar a qualquer momento. Podemos dizer que fomos destinados a seguir o caminho que fazemos?
Maria foi inteiramente livre, mesmo tendo feito a escolha que fez ainda antes de ser formada no seio da sua mãe, de onde a não hesitação no momento em que se lhe coloca. A pergunta que levanta não vem de qualquer ponderação da resposta a dar, mas de uma muito humana curiosidade. Esta assume a forma, não de um "porquê" (o anjo adianta-se-lhe com a questão da graça e no magnificat ela enuncia-a logo de início com as palavras «porque olhou para a sua humilde serva»), mas de um "como", já que o que lhe é anunciado colide com o modo como vê funcionar a natureza. Mas nem mesmo a natureza está determinada a funcionar como funciona. Pode, inesperadamente, funcionar de outro modo, imprevisto e (im)possível. O milagre, o que rompe com o estado de conhecimento do mundo, é sempre indiciador da essencial liberdade por que se define o espírito, que «sopra onde quer». A intervenção do espírito desestabiliza a ideia de destino, já que não há destino para o espírito, que nada pode prender.
Vejo as profecias vetero-testamentárias como textos poéticos, apelando, como tal, ao porvir - e o porvir partilha da plena liberdade do espírito - que lhes «inventa» o "já" que se cumpre.
Resta ainda a comunicabilidade entre as várias dimensões da realidade a pesar a favor da noção da vida como via que se traça e o crucial papel do discernimento dos espíritos neste traçar-se do mesmo modo o atesta. Por último, há ainda a experiência pessoal de cada um e o modo como a olha consoante o que quer ou espera ver.
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