sábado, 3 de março de 2012

«when creation shows so much, how radiant must be the source!»

Esta manhã trouxe-me uma resposta, afinal tão simples, a uma pergunta que me fazia a mim mesma e a que nunca conseguira inteiramente responder. Parecia-me sempre refugiar-me em evasivas. E foi ainda a cena do filme (de que falo no último post) que a trouxe. É que a personagem que começa a proferir o salmo antecede-o com a exclamação (as legendas estão em inglês e a elas recorro):
«Ah, when creation shows so much,
how radiant must be the source!»
Parece, de tão ouvida e enunciada, quase trivial a proposição: a partir da criação chegar ao Criador. Se a criação é o poema de Deus, como não será o Poeta! Na cena do filme, o jovem que se assume ateu não deixa de desfrutar a beleza circundante por não se colocar a questão do autor dela.
Assim acontece na literatura. Só muito recentemente e só com respeito a alguns e raros textos / poemas é que comecei a sentir uma até então nunca sentida atracção pelo autor. Não, porém, numa perspectiva psicologista ou historicista (pela qual sempre senti uma visceral aversão), mas no espanto (wonder), deslumbramento mesmo que a exclamação enuncia: se isto é tão maravilhoso, se me toca tanto, se me apaixona assim, como não será quem o escreve?
Aconteceu, por exemplo, com A Nuvem do Não Saber, de autor desconhecido. Quis, sim, quis muito chegar ao autor. Não, de modo algum, saber dados biográficos que explicassem a obra. Não precisaria e muito menos desejaria explicações para o que tudo diz. Buscar o autor é buscar o mistério que se me manifesta no texto como o mistério de Deus se me manifesta na natureza - e não preciso de grandes e deslumbrantes paisagens. Uma plantinha, um bichinho me basta.

Ou este insecto para mim "totémico" (na linguagem de uma amiga, Fernanda Maio, que simpatiza com o shamanismo), confundível com uma abelha. Em inglês hoverfly, é para mim simplesmente "mosca das flores". E ela fala-me d' Ele, da fonte em que bebe. Ou Ele fala-me através dela, do seu inesperado aparecimento ou singular comportamento. Um sinal. Um traço. Como não será quem o deixa?
Pode parecer heresia, mas algumas obras da mão humana fazem-me sentir algo assim. Ou não estivesse no poeta o Poeta. Ou não fosse o encontro a três. Como não gostaria de ouvir o que porventura  lhe dissesse - também a ele - a minha "mosca das flores", um símbolo agora, neste contexto.