quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

de novo o tema "literatura e vida"

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Numa visão panorâmica do caminho percorrido no espaço-tempo,  sobressaem como marcos os acontecimentos cuja ligação oferece suporte à criação, à descoberta, ou à revelação de um sentido para o agora, aberto ao tempo-espaço que resta. Com estas três palavras - criação-descoberta-revelação- remeto para diferentes posições teóricas, que  mais não são do que modos, marcados por diferentes ideologias, de olhar o mesmo mistério. Quando se parte da “compreensão”, por “compreensão” entendendo o que diz o termo inglês wholeness, na reorientação que David Bohm propôs e que nisto mesmo consiste, o sentido emergente é simultaneamente criado, descoberto e revelado.   Ainda que nunca a alcancemos, ainda que toda a tentativa da sua aproximação redunde num maior afastamento, ela alcança-nos, compreendendo-nos. É ela a realidade que em si mesmo o acontecimento reflecte. Pretender alcançar o acontecimento em si mesmo é pretender alcançar a "compreensão" que lhe dá sentido. Impossível intento.

É por isso que, como disse já, não vejo diferença (a não ser formal) entre uma auto-biografia e um romance. A verosimilhança parece ser mais um requisito do romance do que da vida, já que muito do que acontece na vida seria rejeitado como inverosímil num romance. Paul Auster poderia fazer-me pensar que é a sua arte de narrar que esbate, na sua obra, a diferença ontológica entre uma e outra forma narrativa, se não estivesse tão convicta de que também no plano da vida temos parte no que no plano da obra chamamos “autor”, realidade que as ideologias que marcaram a modernidade pretenderam, num e noutro planos, aniquilar. Transcendente e imanente ao texto que escreve, o autor da obra é ao mesmo tempo co-autor da sua própria vida, onde a obra assumirá, junto de outros, o relevo de um marco a assinalar um percurso, um caminho.