sexta-feira, 20 de março de 2009


Ainda aqui estou e caminho. Avanço, sem dúvida. Olhando para trás, os desvios desaparecem num rasto branco, como o que deixa um navio. Olhando esse rasto diria que quem vai ao leme segue um rumo, como se visse abrir-se-lhe adiante uma estrada no mar.


É isto que me faz pensar que não sou eu o "homem do leme". Ou não sou só eu. "Eu e mais que eu", dizia-me outro caminhante como eu . Gostei desta sua formulação para o que nos ia sendo revelado, enquanto subíamos a encosta, cada um pelo seu lado, movidos por diferentes pulsões, mas re-encontrando-nos muitas vezes.

Dizia já lá ter estado, no cimo da montanha, e até acreditava que a descia ao encontro dos homens, lá em baixo no vale. Nunca gostei muito desta sua vertente "iluminada". (Um só é o Mestre.... falo disto no ponto 7 do meu outro blogue).


Muito se fala agora por aí da importância da auto-estima (a substituir o velho "amor-próprio"), mas fica tão aquém o sentido que se lhe "inventa", tão aquém do infinito alcance do amar-se a si mesmo. É que se esquece quase sempre o essencial.


Falando na primeira pessoa (para evitar o tom de ensinamento a que sou adversa) direi que o "eu" que amo em mim é o "mais que eu", a que não vejo razão para não chamar "eu interior", como S.Paulo. Conhece os meus erros, fraquezas e limitações e, todavia, continua a caminhar comigo, mesmo quando penso que o afastei de mim (ao dizer "de mim" falo do que é em mim o "eu exterior", superficial, movido por "projectos pessoais de banal felicidade").

O que de maravilhoso daqui advém é que, amando (do mesmo modo que em mim) o que é em ti "mais que tu", do mesmo modo o sei contigo, mesmo quando pensas que o afastaste de ti. Volto-me agora para ti, a quem trago no pensamento. Sim, tu que deixas lá fora Aquele que está à porta e chama e recusas a ceia que te traz. Se O fechas lá fora, como não te hás-de sentir tão só do lado de dentro, ainda que tenhas companhia?

Mais maravilhoso do que amar o que é em ti "mais que tu" é continuar a amar ao mesmo tempo e sempre o que é em ti apenas "tu", mesmo quando este tu me deixa de fora também.

É assim que o meu lago transborda na experiência de um amor que transcende toda a tentativa de classificação.

Longe está da sua compreensão quem o entende como "amor fraterno" quando é a graça divina (gr. kharis) a sua essência. Amor que pode irromper em qualquer forma de amor ou ligação eu-tu (para quê classificar o que temos?)

S. Jerónimo tentou, em lugar de traduzir agapé, encontrar em latim uma palavra mais adequada. E da palavra grega kharis formou a palavra latina charitas, que veio a ser desastrosamente tomada como derivação de carus, com todos os mal-entendidos advenientes.

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