terça-feira, 13 de outubro de 2009

a fruição da palavra

Chamei glosa ao que mais não é que dar expressão linguística à inverbalizada fruição (na reflexão ou na contemplação suscitada) da palavra em que o poético se manifesta, assomando, irrompendo ou apenas fluindo como ténue curso (ou forte caudal) dessa água viva que surge no texto bíblico como metáfora para o Espírito divino por que o humano anseia. Da corsa/veado do salmo aos rios de água viva dos Evangelhos é o poético que, na palavra, diz a sede que de si mesma se sacia num dizer que mais ardente a torna.
O poético, tal como o Espírito, não está na palavra, mas na tríade de que nasce e que ele mesmo gera, princípio de toda a criação/fruição. Tal direi ser a relação entre o autor e o leitor (e o primeiro leitor será sempre o autor), que não se reduz à de escrevente-legente. O autor, no momento em que dele ou com ele se gera o sujeito da enunciação, é já algo mais do que aquele que escreve. É esse mais que no texto sagrado leva a que seja atribuído a Deus (a "Palavra de Deus"). E, naturalmente, esse "mais" advém, ainda e sempre, da relação que, sempre de novo, cria ou gera. Por isso as palavras do salmo "Saboreai e vede como o Senhor é bom" são extensivas a toda a palavra em que o poético, como o Espírito, assoma, irrompe, flui, sopra, respira.