segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Voltando ainda e sempre à poesia

Um conceito lato de poesia contemplaria toda a tentativa, feliz ou infeliz, de dar aos "anjos enviados lá fora" (como Traherne olha o milagre do pensamento enquanto fruto da prodigiosa faculdade de pensar) um corpo que à partida lhes falta (a falta é o rasto do que, no não ser, ainda ou já é). A felicidade ou infelicidade do poema é, evidentemente, indissociável da natureza desses anjos e do seu desejo de descerem à matéria de que é feita a linguagem. Poderei dizer que o poema em que essa matéria se liga, mistura ou funde com a da música e a da pintura mais se aproxima da plenitude a que os anjos aspiram? A do ser que, na sua perfeição, vêem acima deles? Poderei dizer que um poema é tanto mais feliz quanto substancia esse anseio? Mas que dizer dos anjos? Não os há caídos, perdidos? Almejam chegar a Deus como se Deus e o Seu Verbo, feito Homem, não fossem um.
Na recepção como na criação, a poesia é a totalidade de corpo, alma e espírito em que se tornou o anjo que, uma vez enviado, fala por si. Apenas é preciso saber acolhê-lo: tocá-lo, ouvi-lo, senti-lo. Para tanto é necessária, como na vida (ou não fosse vida a poesia), toda uma preparação, todo um caminhar. Não bastam o saber e a experiência, que nada são diante da graça. Só esta, como Deus, basta. Mas o Espírito, não é coisa de que se possa fazer pertença. Mas o Seu acontecer deixa sempre um rasto, uma marca, um sinal. Por esse sinal O reconhecemos.
Muitas vezes, como Silesius o verbalizou num epigrama, se ficamos cegos por olharmos o Sol, não nos podemos queixar do Sol, mas dos nossos olhos.