terça-feira, 3 de novembro de 2009

"aprendo a ver" ("ich lerne sehen")

Apropriando-me da formulação de Rilke (na boca de Malte), digo o propósito de assumir uma outra perspectiva, que desejaria no sentido do "puro olhar "de que fala Traherne, face ao mundo, seja ao único mundo a que tenho acesso directo por via desta unidade trina de corpo, alma e espírito que sou eu (estou a evitar designá-lo por mundo de que sou sujeito, conceitos advenientes de uma perspectiva que de algum modo interfere com a que pretendo assumir), seja face ao mundo do outro, um mundo outro a que não tenho acesso senão através da linguagem (contemplando esta tudo o que o seu próprio uso envolve). Interessa-me, naturalmente, ter em conta apenas o modo escrito da linguagem verbal, bem como o pressuposto de que o mundo a que abre me é dado a ver tanto quanto o vejo, sendo o que vejo a resultante e a causa de uma dinâmica interpessoal em curso.
Essa outra perspectiva que tenho em mente é a ergativa, que faço incidir sobre o texto no processo de se tornar discurso (faço aqui já a opção pelo modelo ergativo, preterindo o de transividade: "no processo em que o torno discurso") . Sendo o texto em si tão inacessível como a coisa em si, só ao discurso me posso ater, consciente, à partida, de que lhe é inerente, com a reiterabilidade, a irrepetibilidade (sendo que o grau de envolvimento da cada uma das dimensões semânticas nunca é exactamente o mesmo).
Trata-se de focar o olhar num núcleo semântico que, no que toca a vertente de representação, é constituído pelo acontecimento indissociável daquilo mesmo sem o qual esse acontecimento não teria lugar. (Daqui decorre dissolver-se a distinção gramatical entre verbo e nome/substantivo). Em torno deste núcleo tudo o mais se torna circunstancial.
Pergunto: que implicações tem tudo isto na vertente de enunciação (envolvida por e envolvendo a dinâmica interpessoal em curso, a que continuo a reconhecer um papel determinante)?