sexta-feira, 16 de outubro de 2009

o verdadeiro realismo

O verdadeiro realismo, o que nada tem a ver com escolas ou correntes literárias, porque é de sempre, é o traço em comum entre a criação humana e a criação de Deus. É, num caso e noutro, a vida como ela se manifesta ao olhar, sem outras condicionantes que não sejam as dos próprios olhos que a olham. Seja qual for o "suporte" material utilizado, trata-se de dar a ver o que se vê, que é onde começa e termina toda a mimesis.
A vida no mundo dito real não é, na sua essência, diferente da vida no mundo do texto/poema verdadeiramente realista. Em ambos os casos não há sentidos feitos e tudo se oferece na sua pura literalidade. É esta que me fascina nos poemas que me enlevam, me arrancam a mim mesma e me deixam algures, num novo patamar (um "quantum" de qualquer coisa sobrevém, comparável ao da energia que faz o salto quântico).
É a partir da literalidade pura que os sentidos irrompem sem que preexistam ao seu irromper. A verdadeira metáfora, a "metáfora viva", como o símbolo (não destruído na sua redução a mero "emblema"), não está feita: faz-se. Se porventura, na dinâmica gerada, concorrem sentidos feitos, metáforas mortas, ela não se lhes reduz. Transcende-os, abala-os e renova-os (como a suave brisa do Espírito). E, no fim, ela é todo o poema e já não falamos de metáfora, mas de poesia.
O mesmo se pode dizer da vida se a olharmos na literalidade pura em que a metáfora - e o mesmo é dizer o poético - irrompe e se manifesta no fazer-se sentido. O sentido, como o Espírito, não se agarra ou prende. Colar ou pregar um sentido num texto vivo é atentar contra a vida desse texto. Nesta perspectiva, vida, poeticidade e realismo tornam-se sinónimos.

É por isso que vejo o maior benefício em aplicar à vida (dita real) a teoria da literatura, na certeza de que, se nasce e se nutre da filosofia, também para ela concorre ( "from into the main", usando uma expressão de Traherne).