quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

o desapego

A casa renova-se como se voltasse a estar em construção, a cheirar a tinta fresca e ao cerne da madeira, como há vinte anos quando a vi erguer neste pequenino quadrado de terreno em que plantei árvores de tão grande porte, que agora quase a escondem do exterior, voltando-a toda para dentro. E é dentro que, lentamente, uma nova ordem vai surgindo, a figurar a que a minha alma reclama nesta tão conturbada fase da viagem em que a premente necessidade de renovação interior contrasta com o desgaste exterior que parece acelerar-se.
Cada vez mais encaro o processo natural do envelhecimento como uma coisa feliz, sendo conforme à Sua vontade. Mas sei que só verdadeiramente o será se for acompanhado pelo desapego afectivo das coisas deste mundo, coisas que pelo facto de serem distintas dos bens de consumo ou de uso não deixam de ser terrenas e como tal pesadas. Um dia deixarei esta casa... porque me não hei-de desde já desapegar-me dela como me desapego da imagem que ainda há tão pouco tempo o espelho me dava de mim? Aprendo a gostar da que agora vejo, certa de que o desapego de que faço simultaneamente a aprendizagem de alguma forma transparecerá como uma luz que de dentro a ilumine, tal como a tenho visto em certos rostos que me comovem pela sua impossível beleza.