quinta-feira, 20 de agosto de 2009

"Cantai, tocai, dançai para o Senhor"

Coloquei no post de ontem um video que mostra a dança dos derviches (whirling Dervish Dance). Desconhecendo o que as palavras (em turco) dizem, escuto-as na sua musicalidade como um cântico em línguas de que a dança fosse uma natural extensão. Não se trata de "meio de entrar em transe", mas de uma forma ancestral de adoração. A libertação de si (o silenciamento ou mesmo o aniquilamento do ego) virá por acréscimo, com a ligação entre os mundos físico e espiritual, humano e divino (dançam rodopiando sobre si mesmos com um braço erguido para o céu e outro descido para a terra como se cada derviche fosse o elo a ligar as duas dimensões, ao mesmo tempo que sustentam entre si um como que "equilíbrio estelar", mantendo as distâncias e nunca se tocando).
No Livro dos Salmos (e um pouco por toda a Bíblia) cantar, tocar e dançar para o Senhor é uma forma de O louvar e adorar (por exemplo, Sl 149, 1-3 ou Sl 150, 3-6). Parece-me ao mesmo tempo a resposta a um impulso muito primitivo de dar vazão a uma alegria que não "cabe" e tem de sair para o exterior. Quando de manhã pergunto ao Raski (um diminutivo de Farrusco) se quer ir à rua ("Rua?"), o cão dá uma série de voltas sobre si mesmo, verdadeiramente dansando ao longo de todo o caminho até à janela de onde salta para o quintal. Acolhe-me do mesmo modo se porventura me ausento mais de um dia. Num retiro, há já uns anos, uma rapariga madeirense confessou que às vezes, até no meio da noite, se levantava e se punha a dançar pela casa num impulso irresistível de "dançar para o Senhor", como no cântico ("com a cítara e o tamborim, para o Senhor dançai!")
O que é um movimento espontâneo da interioridade pode ser com facilidade induzido e como tal falseado, macaqueado mesmo. O mesmo acontece com o cântico em línguas. Compreendo que Traherne repudiasse "pronunciar palavras em Zanzummim e contar uma história em línguas a soar à confusão de Babel"("speak Zamzummim words, and tell / A Tale in tongues that sound like Babel Hell", cf. "The Author to the Critical Peruser", in Poems: 2-3)".
É por isso grande o meu constrangimento quando se trata de orar assim em comunidade (será por isso que, quando jovem, a "missa dos jovens" me não dizia nada, antes pelo contrário?). No entanto quantas vezes, em casa ou diante do Santíssimo, oro assim em espírito? De alguma forma o meu espírito dança com os derviches se vir o video com a intenção de orar.
Não é a uma dança que a minha alma aspira, uma dança confiada à palavra, esse mistério? A metáfora das duas chamas do poema de Traherne ("Rise noble soul") fascina-me pelo que diz do anseio que Ele me pôs na alma depois de cinco anos em que sozinha dancei para Ele, nada mais desejando do que continuar assim ou não fosse que "só Deus basta". Mas conhecia eu porventura os Seus desígnios? O caminho continuava e havia ainda, afinal, tanto para andar...

(continuarei)