quinta-feira, 20 de maio de 2010

in eandem imaginem transformamur

Em contraste com a relação com o "outro", sempre ameaçada de banalidade se não de vacuidade, nada há mais fácil, como T.Traherne o reitera em toda a sua escrita, do que a relação com Deus, directa e imediata, tal como a de toda a criação (ou não fosse este o tema bíblico por excelência). Reverberam deleitosos aos meus ouvidos o versículo do salmo "os dias contam às noites a glória de Deus" e as palavras do cântico franciscano "paz e bem / a longa noite escura é gémea da manhã /... /a toda a criatura saúdo como irmã".
A relação com a terra, elemento que a si atrai cada um dos outros na sua ordem de leveza, tem tudo de especial e em nada a afecta que a física em tudo veja partículas ou que a matemática tudo reduza às mais simples operações numéricas. Também esta "miopia" serve o mistério que transcende toda a ciência e toda a religião irmanando-as.

Por privilegiar a escrita (em que incluo a leitura) na relação com o "outro", não menosprezo de modo algum a vida, antes pelo contrário, pois que vejo a escrita ao serviço dessa mesma vida, na qual tem naturalmente parte e parte axial. Privilegio-a por a evidência me mostrar quanto ela é propícia à emergência do que faz "especial" a relação entre aqueles que, na disposição de se abrirem incondicionalmente ao Espírito, propiciam a Sua vinda. Se esta relação pressupõe a natureza especial dos participantes envolvidos, ela mesma a gera, numa circulação que o Espírito salva da circularidade viciosa, renovando-a em Si (ou não fosse o avanço na via, de claridade em claridade, a mais clara evidência desta renovação).

Nos vero omnes, revelata facie gloriam Domini speculantes, in eandem imaginem transformamur a claritate in claritatem.