terça-feira, 8 de junho de 2010

"GOtt über alle Gaben"

A percepção envolve sempre uma orientação do olhar, uma perspectiva e uma tomada de consciência do que é relevante, que assoma como tal em função da perspectiva e da orientação do olhar. Também aqui é de mútua implicação a relação entre estes três factores intervenientes indissociáveis.
Se for dominante a orientação do olhar para tudo aquilo que me faz avançar na luz (ou pelo menos desejar fazê-lo, mesmo quando a escuridão me envolve) tenderei a ver o que há de bom e de belo à minha volta e, como Traherne, a encarar o que há de menos bom ou de mau ou mesmo de horrível como um fundo escuro em que esse bem mais sobressai. Havendo sempre uma cruz, a maneira de a levar é mesmo como Ele disse: tomá-la e segui-Lo - ou não fosse Ele o Caminho que a Ele mesmo conduz e que Ele mesmo percorre em e com cada um que O segue ou quer seguir.
No entanto, aqui, neste espaço de escrita, não é para a cruz que quero olhar mas para o que me move a prosseguir e que faz brilhar a própria escuridão quando tantas vezes ela me envolve. Esta "força" que me anima mesmo quando a não sinto comigo (e é então que me envolvem a noite, a tempestade, o deserto) maravilha-me por ser tão gratuitamente dada, sem que em nada seja merecida, a menos que querê-la seja já em si mesmo meritório, como certamente aos Seus olhos o será.
Gosto particularmente deste epigrama de Angelus Silesius:

Jch bitte dich mein GOtt zwar offt umb deine Gaben /
Doch wisse daß ich dich viel lieber selbst wil haben.
Drumb gieb mir was du wilt / es sey auch ewges Leben:
Giebstu mir dich nicht selbst / so hastu nichts gegeben.

(C.W. 4:30. GOtt über alle Gaben.)