quinta-feira, 27 de maio de 2010

"não entender entendendo"

O anseio de chegar aos Seus rios desperta em mim o desejo de voltar a "ter oração", no sentido em que Teresa d' Ávila faz uso desta expressão. É significativo que se trate de um processo relacional de "ter" e não de um processo verbal como o seria o simples "orar".

Teresa d' Ávila conta que começou "a ter oração sem saber que cousa era". A narrativa ("a relação destas coisas") que é incumbida de escrever vai ao encontro do que profundamente a move: "que o Senhor a quer, sei-o eu há muitos dias, mas não me tenho atrevido" (p. 5). Não molda, porém, a sua escrita à daqueles de quem encontra, nos ensinamentos, a orientação que colhe, antes é como mulher que escreve, deixando constantemente transparecer nas limitações que alega a compreensão de que é tocada. Assim, a dificuldade que se lhe levanta na escrita não é de ordem linguística, mas pragmática: "por mais que eu queira dizer estas coisas de oração, será bem escuro para quem não tiver experiência".
O autor (anónimo) da Nuvem do Não Saber tivera também o cuidado de, logo no início, explicitar que escrevia para aqueles que, embora envolvidos na vida activa, estivessem dispostos a "ter parte nas coisas profundas da contemplação", na certeza de que nada entenderiam aqueles que a tal se não sentissem movidos. Teresa d' Ávila é, acima de tudo, mulher e tem, como tal, um modo de dizer que molda e se molda a um modo de pensar marcadamente feminino.
Devo explicar que estou receptiva à ideia da coexistência de dois modos de pensar / dizer que , no contraste, se complementam: o masculino, ligando a altura à profundidade do pensamento, e o feminino, alargando à superfície o âmbito do pensar (errado e indutor em erro será confundir complementar com suplementar, venha de que "lado" vier a confusão).
Se Teresa d' Ávila pressupõe a mesma condição relativamente a quem a ler, poderia acrescentar a de que lhe não faltasse "ser mulher". Diria que é preciso sê-lo em espírito (à Sua semelhança) para "não entender entendendo" (como ela mesma o diz). E o que digo de Teresa d' Ávila é extensivo a outras místicas, expostas a "entendimentos" de "entendidos" que nada entendem "destas coisas de oração".