quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ser-se humilde e pequenino

A primazia dada pelo pensamento científico ao "congruente" sobre o metafórico e o simbólico liga-se à concepção da realidade como "feita à medida" da capacidade cognitiva da espécie humana em evolução. A "fé" da ciência é, assim, a crença em si mesma. No entanto, de tal maneira a verdadeira " fé" se distingue da crença que, ao contrário desta,ela também anima os que dizem não a terem professando-se "não crentes". Anima-os na forma da sua própria falta, sentida na proporção da animosidade tácita ou declarada por aqueles em quem a pressentem. Entre os "sábios e entendidos" do nosso tempo destaca-se o autor de I am a strange loop na arrogância com que como tal se assume. (Gostei muito da crítica on line que lhe faz Steve Donoghue, com o título "A Tiny and Swattable Mind").

Diria que, em contraste, ser-se "humilde e pequenino" é lidar com o metafórico e o simbólico e dar-lhes a primazia. Ser-se "pequenino" é também ser-se naturalmente movido ao silêncio como "música calada" ou ao "cântico em línguas" na compreensão da realidade pela qual "está" ou "fala" o símbolo.

É "pequenina" que me sinto em face de um versículo ou passo bíblico que neste ou naquele momento me "toca" ou me "interpela", tal como em face de um poema que do mesmo modo me "move". Só posso sentir quanto se me oculta se pretender apreender o seu "sentido" com os olhos "entendidos" da razão. Se, através do "texto sagrado", algo se revela que faz sentido neste ou naquele momento da minha via / vida, do mesmo modo através de um poema algo se revela relativamente àquele que deixa tal "rasto" a quem o procure e siga.
Os poemas do Viandante terão uma componente biográfica que, como nos de Celan, não é porém passível de uma análise biografista (ainda que dispusesse de informação relativamente à vida do seu autor). Suscitam, pelo contrário, uma orientação do coração e do olhar para a vida do Poeta, do Viandante, do "Homem sem nome", de quem cada poema, como "rasto" (trace), me deixa vislumbrar a via que me sinto movida a seguir.

(Quando escrevi "Homem sem nome" foi também a evocar o título do livro tão belo de João Aguiar,onde no Poeta Viandante tantas vezes senti Jesus. Só poderá estar com Ele agora quem deixou de si este "rasto" aqui na terra).