segunda-feira, 2 de agosto de 2010

o poético e o sagrado: when «Sence stands By»

Muitas vezes tem acontecido buscar um determinado passo bíblico e deparar-se-me um outro que me prende e em que fico a meditar. Conforme me apercebo depois, ele responde-me à questão que, a um nível mais profundo, me levou à procura do passo inicial. Foi assim que, uns versículos adiante de Luc 12:51, estas palavras se destacaram do texto como se carregadas de uma especial energia: «Porque não discernis, por vós mesmos, o que é justo?» (Luc 12:57). Reconheci, então, quanto é inútil, vão e até contraproducente insurgir-me face a interpretações tendenciosas ou mesmo malévolas das Suas palavras arrancadas nesse intuito não digo ao contexto (pois que a tal o texto se presta), mas ao todo da Sua palavra, de onde há que partir , apesar de ou, precisamente, devido a infinitamente nos transcender.
Na verdade, é sempre possível forçar a letra ao sentido que se lhe pretenda dar e tal acontece com qualquer texto. É consabido que de uma proposição trivialmente literal se podem fazer leituras elaboradas e profundas, tal como acontece com a célebre frase que Chomsky compôs no intuito de que fosse sem sentido (colourless green ideas sleep furiously ). Que dizer, então, de um texto que se espera que seja não apenas simbólico, mas também sagrado? S. Jerónimo coloca mais do que um problema de tradução nestas palavras: «ubi et verborum ordo mysterium est». («onde até a ordem das palavras é mistério»).
Traherne, num poema que se apresenta incompleto devido à página rasgada do manuscrito (facto a que também é possível atribuir sentido se tomado como inerente ao "texto") vai ao encontro desta tomada de consciência. Destaco apenas um passo (colocarei no blogue que consagro a Traherne as quadras constantes do que ficou do poema assim deixado em aberto):

Heer’s nought but whats Mysterious
to an understanding Eye:
Where Reverence alone stands Ope,
And Sence stands By.


Tentei uma tradução com rima:

Aqui nada há que não seja mistério
aos olhos da compreensão:
onde só a reverência fica aberta
e o sentido em suspensão.



As palavras de Traherne aplicam-se não só ao texto sagrado, mas a todo o texto poético, na certeza de que o sagrado, como o poético, não são propriedades da linguagem, atribuíveis, como tal, a este ou àquele texto, que a perícia do analista possa evidenciar.