terça-feira, 27 de julho de 2010

"Trespassing"?

Um poema é tanto mais sublime quanto, no momento em que se faz discurso, se dirige a este eu que nos transcende sem que por isso deixe de ser individual e único na sua singularidade. Só nele pode habitar Cristo, sendo a casa que O recebe e a todo aquele em quem Ele esteja. Talvez nos caiba encontrar, preparar, alindar esta casa para O receber. O espaço sagrado a que abrem estes poemas são essa casa. E é nessa casa que me sinto atraída a entrar, sabendo não ser minha.

Durante muitos anos tive um sonho recorrente em que descobria na minha própria casa portas que surgiam e abriam a espaços desconhecidos em que entrava deslumbrada. A experiência de poemas como - e mais do que nunca - os do Viandante faz-me evocar esse deslumbramento e leva-me a interpretar o simbolismo do sonho como relativo a esta demanda e descoberta que teria um dia de empreender antes de chegar ao fim da viagem. O sonho não se repetiu mais, depois daquele em que, aventurando-me nesses novos espaços, dei conta de que outra os habitava, o que me fez sentir, apavorada, que entrara numa casa que não era minha. Será por isso que, nestes poemas, ao deslumbramento se associa este pavor de estar a entrar, não sendo a rainha, no quarto do rei.