sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Só a música, não toda a música, mas, no momento e para o momento, esta ou aquela composição em especial, por vezes um breve trecho, algumas notas, pode competir com o puro silêncio de um olhar contemplativo sobre o fascinante mistério do outro. E, quando silêncio é de outra natureza, denso de um querer dizer inverbalizado, é ainda a música que o liberta do peso porventura opressivo transmutando em som a própria ânsia de dizer.

A pintura também pode de alguma forma realizar, em forma e cor, esta transmutação. A "encáustica" parece-me particularmente propícia pelo concurso de uma «outra mão» imprevisível a quem muito (ou tudo) se confia. Em alguns casos diria que só ela trabalha misturando formas e cores na expressão do que também só ela verdadeiramente sabe de cada um de nós. No meu mais intrínseco desejo que é, foi e será o de «reencantar o mundo» (ao menos o meu), apresenta-se-me como mais um modo de intervenção do maravilhoso. Uma pintura desta natureza não toma sobre si qualquer carga significativa que a associe a este ou àquele sentido que possa pesar no seu dizer (que é verdadeiramente "dar a ver"). Chamar-lhe acaso é retirar-lhe o brilho e o contraste em vez de lho acentuar.