de novo o símbolo
É consabido que os grandes místicos, como Teresa d' Ávila e João da Cruz (e tantos outros, anteriores e posteriores), recorrem ao discurso amoroso na verbalização de um sentir que de tal maneira neles enche a capacidade de o conter que extravasa e flui feito palavra. Não digo que não responda também, e ao mesmo tempo, a uma necessidade, que se lhes torna imperiosa, de abertura ao "outro" no propiciar-lhe, contagiando-o (no sentido etimológico do termo), uma via à mais intensa quanto pura forma de enamoramento: aquela que, ao nível do símbolo, é protagonizada ao nível da história pelas personagens intervenientes.
O que distingue o símbolo da metáfora, como já muitas vezes o tenho sublinhado, é o fazer sempre sentido literalmente. E fá-lo, regra geral, propiciando imagens que diria muito próximas das que acontecem quando os olhos as projectam (scrying), imagens da natureza das de que o mito ou a "história de encantar" se servem na sua literalidade narrativa. Assim, no Cântico Espiritual, a figura feminina que desce ao jardim em estando a sua casa sossegada. Assim a pastora em Heilige Seelenlust com os seus cânticos enamorados. Assim se me afigura também, tão próxima, aquela que, indissociável da paisagem que a envolve, «ali ficava / a ver o mar».
Poderá realmente a alegoria destruir o símbolo? Diria que o símbolo é indestrutível. A alegorização, por exemplo, da parábola da semente que cai no caminho, entre pedras, ou no terreno arado não destrói a sua força simbólica, apenas propõe uma leitura que faz sentido no contexto a que é trazida. Assim também o próprio «Símbolo dos Apóstolos»: o assumir a palavra «creio» e o conferir-lhe como âmbito, na forma de uma narrativa ao alcance dos mais simples, o mistério dos mistérios como seja a triunidade do divino. A ligação entre o histórico e o mítico, em si mesma material inesgotável que se oferece à reflexão, será talvez responsável pela resistência que tenho observado, especificamente no que se refere a esta narrativa, contada e recontada ao longo dos séculos, a reconhecer-lhe a natureza de símbolo e a inerente abertura ao «por significar». Se assim não fosse, quem seria eu para, no já tantas vezes dito, almejar, não dizer algo de novo, mas reiterando-o responder ao apelo do que «apela a vir». Ou não fosse na literalidade nua do símbolo que aos «pequeninos» é revelado o que se esconde aos «sábios» sob esse mesmo véu.
Os mais belos poemas são para mim os que, sendo-o já na sua mais pura literalidade, indissociada das palavras que a dizem, abrem no real passagem a um ainda mais real onde irrompe, feito sentido, o «por significar» do símbolo que substanciam. É assim que estes poemas tocam em mim cordas profundas, nomeadamente este que surge agora com o título «Ver».
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