sobre «o ruído que me habita»
Cito e medito: «encontrar o silêncio dentro do ruído que nos habita e que, demasiadas vezes, nós somos».
Ansiando este silêncio, passei, porém, estes dias a reflectir sobre o ruído, este que me habita desde que, numa forma nunca experimentada antes, o deixei entrar e que ocupou a casa toda, como se aproveitasse o Ele a ter deixado vazia após o tempo em que O ouvia bater à porta e chamar. (E eu Lha abria e Ele entrava e não só ceava comigo e eu com Ele como trazia Ele mesmo a ceia, verdadeiramente «a ceia que recreia e enamora», como se lhe refere S. João da Cruz). Ficou a promessa de que voltará no dia em que eu mesma deixarei esta casa, agora tão cheia de ruído. Com a promessa deixou-me a certeza de que estará, não obstante, sempre comigo. Estará, sim, nesse «silêncio que habita o ruído» em que deverei «aprender a fazer a minha casa».
Vem-me à mente uma canção do R.C., demasiado infantil para lhe chamar cântico, que, glosando o versículo que tomei atrás - Ap: 3, 20 -, designa por «o mal» o ruído que também bate à porta, também quer entrar, começando por apenas querer «um lugarzinho». Depois é Jesus que bate e «quer a casa toda», que Lhe é inteiramente oferecida: «oh sim, vem, vem aqui morar». Belíssimo é, em contrapartida, o cântico que toma por letra as palavras do versículo e torna ruído esta canção, ou não fosse a referência ao «mal», já de si, um ruído. Parece-me uma explicação aceitável para o horror que a Teresinha, então com quatro ou cinco anos, experimentava ao ouvi-la, horror que a levava a gritar «não, não, não» como forma de "calar", não as ouvindo, as palavras para ela verdadeiramente cheias de ruído. Pressentiria ela que tarde ou cedo esse ruído haveria de entrar, e de assalto? T.T. dá conta deste mesmo assalto no poema «Dumnesse» (de que colocarei um excerto no blogue que lhe dedico).
Credível me parece também a explicação que se me coloca para o facto de, há tanto tempo, ter deixado de praticar esse «exercício de me instalar no silêncio que habita o ruído»: a de que fará parte da ascese conducente ao «eu profundo» a sua aceitação. É como se, neste «tempo que resta», houvesse de realizar a aprendizagem de qualquer coisa mais, que, não sabendo o que possa ser, me suscita dúvidas, não d' Ele, mas de mim mesma) geradoras de interrogações que são, com as respostas que lhes vou encontrando, este ruído que me habita, tanto mais perturbante quanto me conduz ao reconhecimento de que sou (ou estou a ser) eu mesma esse ruído.
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