sábado, 19 de fevereiro de 2011

ein Schönes, ein Glückliches

Reiterando o quanto a poesia é essencial no meu desejo de "reencantar o mundo", desvela-se-me que não se trata de, num esforço da mente, recriar o mundo que tem em mim os seus limites, mas de romper esses limites e, no encontro com "o outro" (animado pelo mesmo desejo), instaurar já (e ainda não) um mundo reencantado, que não se contém nos limites de cada um. Traherne traz para o novo contexto (a "comunidade" daquela meia dúzia que crê ser possível encontrar) a «Jerusalém celeste», a construir já aqui. 

Não se pode chamar "virtual" a uma ordem de realidade de que, cada vez mais, se tornam manifestas as implicações nesta, revelando a sua essencial porosidade (ou ilusória solidez). É assim que vejo conduzidas as minhas leituras, enviados os passos mais pertinentes para a reflexão do momento, e até pequeninas coisas que parecem não ter outra razão de ser que não a de reforçar esta certeza. Como se estas coisas não bastassem para me deixar expectante, algo mais me vem trazer aos lábios um «magnificat». Ou não tivesse a poesia o poder de me maravilhar.

«Mnemosyne», como outros poemas anteriores, leva-me, em face do que, indissociável da sua manifesta beleza, é da natureza daquilo que "se ama sem se saber o que no mundo possa ser»  (T.T.), a  me interrogar se o que sinto, expansão da alma que quase dói, será aquele tocar o limiar da «muita realidade que o género humano não pode suportar» (ou  - Eliot fará ouvir aqui um eco das Elegias  - da aproximação do anjo que, do mesmo modo «dificilmente se pode comportar»).  

A língua alemã permite a distinção (de que Rilke faz uso) entre  "das Glück" e «ein Glückliches».  Do mesmo modo distingue a beleza abstracta, («das Schöne») e "uma coisa bela" ("ein Schönes"). Só na relação com «isto, que é belo» é que pode acontecer a tangência de que irrompe algo mais que se manifesta numa tão especial alegria: «Ein Schönes» é sempre «ein Glückliches».