sábado, 9 de janeiro de 2010

"the open gate"


Há tempos fui à Net procurar imagens para "open gate" (um símbolo muito poderoso para mim) e encontrei esta imagem (gosto dela assim, em formato pequeno, como uma iluminura).
Até certa altura na vida eu mesma a mantive fechada, tão certa estava de que, se não encontrava do lado de dentro o que me faltava, muito menos o encontraria lá fora. Nem nunca sequer me abeirei dela. Do mesmo modo que na história do Barba Azul nunca me teria abeirado da porta fechada ou, no mito de Pandora, nunca teria aberto a caixa... e, claro, no jardim do Éden nunca teria colhido a maçã. Não por medo, mas por ter a certeza de que, não só perderia o que tinha, como o que desejava não o encontraria ali. Sempre soube que o que me falta não está em parte alguma, sendo como falta que o tenho já e me completa.
"Não se pode querer tudo na vida", diz muitas vezes a minha irmã. Fujo da discussão, mas, no mais fundo de mim, tudo é mesmo o que quero. Traherne joga com os sentidos do termo "want" na defesa desta posição, de tal modo que, estando no tudo contemplado o que falta, em Deus coincidem o ter e o faltar (colocarei este texto, que assim interpreto, no outro blogue).
Eis, porém, que, vivida esta experiência de totalidade, dou com o que esta imagem pode porventura dizer, com a legenda "the open gate" (não pode o verbo "abrir" ser mais ergativo do que aqui).
Reverberam as palavras do salmo "ergo os olhos para a montanha" e, de início, mais não vejo do que o seu recorte no horizonte, tão certa de " de onde me virá o auxílio". Só depois vejo a água, ao longe ainda, e nela deixo vogar o olhar durante um tempo, sem saber se são ondas ou nuvens o que vejo mais próximo de mim. Agora, porém, sei que são ondas e nuvens (como no poema que me suscitou todo um conto e que outra coisa agora me diz), luz e sombra, "lâmpada e véu" o que vejo diante de mim. "Oiço cantar" e ilumina-se-me o coração (queria, mais uma vez, fazer uso do ergativo aqui). E o canto, belíssimo, é o deste poema do Viandante, de que para aqui transponho o "traço", o rasto de sombra e luz:


"a sombra sob o clarão
talha a raia
sulco de pedra
lâmpada e véu
onde ilumino
o coração

se oiço cantar
sento-me
e deixo a inocência
vir sob a luz ou o véu
onde te oiço
ao chegar"