quarta-feira, 23 de junho de 2010

«wie nach dem Faß der Wein»

Estremeci ante a profunda verdade de tudo aquilo que diz o Viandante relativamente àquele que, nesta sua passagem por este mundo, deixou um rasto para sempre ligado ao nome de Saramago.

Nada poderia ser dito de mais verdadeiro, de mais esclarecedor daquela espécie de mágoa recalcada a que a arrogância e o rancor pareciam dar escape. Destaco um passo do texto, todo ele acertadíssimo, do Viandante: «A ânsia de encontrar Deus, de o fazer manifestar-se, e a ânsia de salvar o ego tolheram em Saramago o caminho, transformaram-no numa luta titânica desvairada e fecharam-no dentro de si e no mundo, sempre um pequeno mundo, por amplo que seja.»

Compreendo a reserva que faz o Viandante quanto a se tratar de um autor blasfemo. Na verdade pensando que falava de Deus, Saramago limitou-se a falar de um deus que ele mesmo criou, não para si, mas para o atribuir àqueles que hostilizava e que com essa atribuição agredia, isentando-se da crença que lhes imputava por detrás da auto-denominação de "ateu".

Devo dizer que não acompanhei o muito que dele se disse nestes seus últimos dias de glória (cuja transitoriedade ironicamente coube ao futebol patentear logo no dia seguinte.) De passagem ouvi alguém que dizia que ele procuraria no conhecimento do outro o conhecimento de si. Pareceu-me isto corroborar a ideia que fazia do seu encerramento no espaço exíguo de si mesmo demasiado cheio de si para que o pudesse encher Deus.

Evoco o dístico de Silesius (C.W. 5:26):

«Gott gibt dir wie du nimmst: du selbst schenkst aus und ein:
Er wird dir wie du willst, wie nach dem Faß der Wein»

(Trad. Deus dá-te conforme o tomares: tu mesmo te esvazias e enches: Ele será para ti como quiseres, como conforme a vasilha o vinho).