ainda o mundo
Na sequência do meu post anterior sublinho a revelação que, afinal, já Traherne tinha tornado tão clara à sua enunciatária, a primeira de entre aquelas «coisas estranhas, porém comuns; incríveis, porém conhecidas», que se propunha enunciar: «Não é algo de grande serdes a herdeira do mundo?» Uma «enriquecedora verdade» que, diz ainda, «encerra em si tudo quanto acompanha o mistério que desde o princípio do mundo está oculto em Deus».Colocarei no blogue dedicado a Traherne todo este parágrafo, em que Traherne se deixa tocar pelo poético que, com ele e através dele, irrompe de Rom. 4,13 e Ef. 3,9, e o enche de uma alegria que, transbordando, é seu desejo expresso canalizar para aquela que como "tu" privilegia. Até que ponto se tocaram ou enlaçaram os seus mundos só mesmo cada um deles o poderá saber. Só posso falar do que a sua obra - a três séculos de distância - opera e continuará a operar em mim, sendo que continuo a ver assomar, no mesmo, o que antes não vi e, no entanto, sempre lá esteve.
Ao cruzar a minha própria experiência (de que pretendo falar, não podendo falar de outra) com a que estas palavras, tantas vezes lidas, me permitem (re)constituir (a que outra luz se não a que me ilumina e ao meu mundo?), tomo de repente consciência de que sempre fiz o entendimento de um "como se", desse quasi de Eckardt, tal como surge no cântico litúrgico suscitado pelos mesmos passos das cartas de S.Paulo, em que se canta: «Amas o mundo inteiro e tudo o que nele vive. /Amas cada homem, como se apenas ele existisse em toda a terra». Este "como se" não está, porém, no texto de Traherne, nem neste parágrafo nem em nenhum outro em que reitera o deslumbramento ante tal "visão" das coisas.
Já tinha relacionado tudo isto com o que Derrida escreve a partir do verso de Celan (que cito no meu post anterior) e sobre cada amigo que parte (a minha morte, diz ele, tem de consolador o nunca mais ver partir alguém). Como são pobres as traduções de die Welt ist fort por "o mundo acabou". Porventura fort significa zu Ende? O dicionário (tanto o Duden como o Wahrig) apresenta como significados "não ficar mais tempo num lugar", "(ir) para diante", "estender-se sem interrupção no tempo por vir". Não é o perfeito domínio do alemão quotidiano actual que assegura uma boa tradução quando se trata de poesia. Pode até constituir um entrave. As raízes das palavras - «que vão directas ao coração das coisas» (Steiner) - não as vê o falante comum da língua (por "coisas" não se deve entender os referentes das palavras nessa abstracção que é o "mundo real" comum a toda a humanidade - mas isto é ainda outra questão, embora inerente à que estou a tratar).
É altura de passar a outro post, que este já se alonga.
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