quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

continuando, sempre...

Como o tinha começado a escrever no dia anterior, foi com a data de doze que ficou o post que aqui coloquei ontem, pretendendo continuá-lo hoje, num novo, como o estou a fazer.

Seria natural subir do "tocar" humano ao "divino" e não proceder na ordem inversa e descer do divino ao humano, se é que se pode ainda falar de subir ou descer, quando apenas se trata de prosseguir, em altura como em profundidade. No entanto, diria ter sido nesta ordem que tudo se transfigurou e um sentido, para além de todos os sentidos, começou a dar-se a pressentir, na sua inapreensibilidade.
Talvez a nota exacta que acorda este pressentir profundo e o traz à superfície seja mesmo esta: "tocar". E, se é à música que é dado quase "tocar" esse sentido último (inalcançável por não pertencer ao ser, mas ao acontecer, como diria R.M.), é no momento em que a música assume voz humana e, na sua suprema beleza, (digo-o sem heresia) toca as mesmas cordas que só pode tocar a Sua mão.
Nesta vivência algo em mim reitera o gesto em que, ao erguer para Ele as minhas mãos vazias, as vi (numa imagem de scrying, sem espelho negro ou bola de cristal) sustentar o mais belo e luminoso azul-indigo na forma de uma flor, única na radiante singeleza da perfeição. Certamente me autorizará o Viandante que substancie esse gesto no trazer para aqui o poema que acresce de uma outra maior beleza e vida a flor perfeita assim dada e oferecida um dia:

se te tocar
que cordas vibrarão
na penumbra
onde o fogo
se faz luar

O que disse não é um comentário, nem mesmo uma glosa, pois que uma coisa e outra são fruto de um reflectir "sobre" ou "a partir de". Não é à reflexão que este poema (como, aliás, qualquer dos outros) convida no seu puro dar-se. Antes convida ao gesto do mais puro receber ("dar" é , afinal, convidar a receber). Neste gesto me aproximo do mistério que me sinto "movida" a sondar. O mistério que se oculta e revela no puro acontecer dessa "penumbra / onde o fogo / se vaz luar".

Com um novo ânimo prossigo, temerosa ainda, na incerteza das sombras que, adiante, tão depressa se me afiguram nuvens como ondas; de um outro céu, porém; e de um outro mar.