sábado, 16 de janeiro de 2010

Entre ondas e nuvens

Será que ficcionalizo a vida e por isso a vejo como o que a escrita reclama para que seja plena? De que é feita esta plenitude?

Se a vida pode ser adversa à escrita, também a escrita pode ser adversa à vida. Se uma pode ter sobre a outra um efeito nefasto, esterilizante, a verdade é que uma à outra mutuamente se reclamam para se cumprirem. A escrita não se limita a narrar ou glosar a vida, pois que é de mútua implicação e não de causa-efeito a relação entre elas. Não há que dar o primado a uma ou a outra, sendo que no princípio, coincidente com o fim e com qualquer meio, são uma coisa só que, se nasce da relação ao mesmo tempo a cria.
Já disse isto... ( "Shall I say it again?", evoco de Four Quartets).

Tal como a gramática ("pensar gramaticalmente" seria inútil se se confinasse à análise linguística de um enunciado verbal), as teorias da escrita (ou da literatura) são ao mesmo tempo teorias da vida, servindo essa mesma vida no sentido da sua inseparabilidade da escrita.

"Entre nuvens vogam aves /Entre ondas voam peixes"... "As ondas tornam-se altas nuvens / as nuvens tornam-se altas ondas"...

Transcrevo o poema de Lucebert (em holandês):

Onder wolken vogels varen
onder golven vliegen vissen
maar daartussen rust de visser

Golven worden hoge wolken
wolken worden hoge golven
maar intussen rust de visser.