terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

novo preâmbulo...

Diz Traherne, no passo do poema "Dumnesse" que coloquei no último post do blogue que lhe consagro:

(...)Sure Man was born to Meditat on Things,
And to Contemplat the Eternal Springs
Of God and Nature, Glory, Bliss and Pleasure;
That Life and Love might be his Heavnly Treasure"


Um programa para a vida em que se aliam a meditação e a contemplação visando a identificação de "Life and Love" com "Heavenly Treasure", não a alcançar no final do percurso, mas a fruir a todo o momento. A via tradicional que leva da terra ao céu é, na visão de Traherne, a que traz o céu à terra. Em qualquer caso, trata-se da religação das duas dimensões da existência na fruição da "vida e do amor".

O programa é de todo o sempre, poder-se-ia dizer que apenas o modo de o verbalizar o situa no tempo. Continuar-se-á, se não a "meditar", certamente a reflectir sobre "as coisas", e, se não a contemplar "as nascentes eternas de Deus e da Natureza, da Glória, da suma felicidade e do prazer", certamente a beber delas. Tal é, ainda e sempre, o mistério que "toca" mais do que o pode "tocar" a poesia.

Fora da poesia assim "tocada", todo o discurso , explícita ou implicitamente, narra uma "história" com uma "verdade" para o momento. Seja como força centrípeta, seja como força centrífuga, essa "verdade" faz da narrativa uma tentativa do seu próprio entendimento. Não se lhe pode exigir coerência senão à luz de cada momento em que tudo se re-prespectiva. Na verdade, na vida que se vai escrevendo, como na escrita que se vai vivendo (e só pode ser propícia a consciência da sua implicação mútua) dá-se um reiterado re-perspectivar e recapitular. Por recapitulações desta ordem se vão (na vida como na escrita) descrevendo os "anéis crescentes" em torno da "torre antiquíssima", na imagem magnífica de Rilke. Começa-se, porém, sempre a meio, retraçando no novo "anel" o percurso realizado, na forma de uma história, nunca igual, ainda que envolvendo os mesmos ingredientes - não posso chamar "factos", mas também não posso chamar "acontecimentos" à "matéria prima" de que são feitas estas histórias da própria vida. E de que outra vida senão da própria? Tocada pela do "outro", abre nesse ponto ao maior mistério.