domingo, 24 de janeiro de 2010

"um Amigo que me ama"

Liguei ontem a televisão, coisa rara (tão rara como passar a roupa a ferro, que é quando a ligo), e apanhei no Canal História um documentário a meio, mas que me prendeu logo a atenção. O locutor (caso único em que não lamento a dobragem) falava naquele momento no "amor cortês". Citava um passo em que o trovador dizia algo como "serei teu amigo, teu amante, não teu marido". Esta frase, fora do contexto (e por isso mesmo trazida para o contexto actual) seria entendida como uma proposta, no mínimo, desonesta. Numa canção de amor cortês - "amour de loin", por excelência - diz algo de sublime. "Amigo" envolve um amor desapossado e "amante", puro particípio presente do verbo "amar", é parafraseável por via da oração relativa "que ama". E o eco de um cântico da catequese vem-me à mente (e com ele a voz da criança que tão miraculosamente Lhe aprouve que viesse ao mundo através de mim e que agora, em plena e difícil adolescência, ainda o canta, silenciosamente, é certo, mas porventura numa maior profundidade... por alguma razão recebeu o nome de Teresa, aliado a Maria): "Tenho um Amigo que me ama e o Seu nome é Jesus".
Os trovadores cultivavam o amor pelo amor, comentam alguns críticos. A inacessibilidade da "Amada", que torna a posse inalcançável, mantém viva a chama. Sem dúvida, mas sem a relação entre uma primeira a uma segunda pessoa não haveria nunca lugar a essa terceira, que verdadeiramente nasce da relação que cria, ou não fosse o Espírito esse mesmo Amor.
"To the friend of my best Friend", assim começa a dedicatória de Centuries, a traçar desde o primeiro momento esta relação trina, que se promete alcançar o que de inverbalizado e inverbalizável almejavam porventura já os trovadores.