segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Interpretar, se não for "dado", como dom do Espírito, a um para benefício de outro (tal como o dom da "profecia", das "línguas", da "cura", etc ), poderá levar mais a um afastamento do que a uma aproximação da "compreensão". A pura graça (kharis, de onde "carisma") não é algo que, por se receber (acolher, seria um termo melhor), se possua, se torne propriedade nossa.

Pela "compreensão" diria "tocado" o poema "Sombra ii", de que do mesmo modo me toca a tão suave quanto profunda beleza. Desejaria o "dom da interpretação" com que pudesse responder "estou aqui" ao que me "chama". Não se trata do que "acontece" no momento e o toca de eternidade, mas do "acontecer" experienciado como essa alegria que transborda em lágrimas, e se as houver de dor ou tristeza, logo em si as converte. Ao contrário dos momentos de alegria banal, o passar do tempo não a torna pretérita, nem dá lugar à saudade, antes ao doce anseio de uma tranquila espera. E posso dizer com o Viandante:

"não tenho idade
nem a luz voraz
acende a colina
onde repousa
a melancolia

espero
a sombra que cresce –
do poente
leva-me
ao meio-dia".

Não é de surpreender que "a sombra que cresce" seja propícia a uma outra visão da realidade, em que se esbatem e diluem as delimitações impostas pelos "costumes dos homens" que se "cedo assassinaram" em nós a nossa "alma de criança", também cedo pisaram a "planta que dá à terra os nutrientes", que, todavia, nem pisada, se deixa morrer. (Estou, naturalmente, a parafrasear Traherne. Farei um post destes passos).