quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

sanctum sanctorum

O "momento da compreensão", a "hora em que o ser e o compreender coincidem", nas palavras do Viandante, suscita-lhe um pensamento que toca um tema paulino - Rom 4:13 "haeres mundi" - que Traherne abraçou de corpo e alma. Escreve o Viandante: "Mas será que compreendo tudo isso? Não, não compreendo. Todos dizemos coisas que não compreendemos. Quando o compreender, poderei dizer que tenho tudo e que sou o Rei do mundo."

Escrevi no último post mais uma reflexão a servir de novo preâmbulo ao que poderia dizer sobre o poema "Filho Pródigo" (e também sobre "Terra do Esquecimento") que não fosse ao mesmo tempo uma profanação, na consciência de que me não contento em ser admitida no átrio pretendendo entrar no "sanctum sanctorum" deste "templo": ser tocada pelo maior mistério; tocá-lo também.
Em termos de lógica, que o particular seja tocado pelo universal e, tocando-o, ser por ele envolvido tanto quanto o envolve (tornar-se a gota de água que contem o mar de que falam os místicos) não levanta problemas; o caso é outro tratando-se de dois particulares: só tocados um e outro pelo universal se poderão verdadeiramente tocar nesse ponto. Saindo da frieza gélida da lógica, em vez de "universal" direi "compreensão", a "compreensão" que, tocando a palavra, a torna poema, lugar privilegiado para um encontro face-a-face com o mistério do "outro". A imagem que me é dada é a do vidro de visão num só sentido no processo de se tornar película transparente entre os dois mundos. Tal a cortina do templo.
Por vezes visita-se em sonho a dimensão da existência em que, tendo-se sem dúvida um corpo, o desejo de o ver lhe dá uma forma alongada que faz pensar num peixe, sendo de modo algo semelhante que se move, comandado pela vontade (uma amiga que também "lá" vai falou-me nesta forma alongada que, dispondo-me a confirmar se assim era, logo o verifiquei em "lá" indo. - há como que uma ambientação progressiva que se faz através da recorrência destes sonhos pois que se recorda em cada "visita" o que já foi aprendido nas precedentes). O desejo de tocar logo se corporiza na mão que se estende, nos dedos que se alongam na direcção dos do "outro". No poema é como se estas mãos se tocassem através da película transparente que as separa (uma próxima vez que o sonho ocorra desejarei conhecer "isto"). Isto é já entrar no "sanctum sanctorum". De onde me vem a permissão? No entanto é como se a tivesse. Mais: é como se fosse chamada a entrar. Perguntar quem me chama é recapitular a vida desde o primeiro chamamento (falarei disto a seu tempo).

Entro no santuário (depois de todo este tempo a deambular pelos átrios) e escuto as palavras que me dão imagens da natureza das de scrying. (Continuarei num outro post, reservado a esta "aventura").