sábado, 3 de julho de 2010

pontos de tangência

O que resta, o «rasto» (após onze anos, correspondentes a mais dois «anéis crescentes» e ao início de um terceiro) é o que basta para que no momento em que estou prestes a soçobrar, sempre alguma coisa aconteça, irrompa, a encher-me daquela força que só Ele pode dar. O «rasto» é assim bem mais do que a «trace» derrideana. Talvez o digam as palavras já tantas vezes citadas de T. Traherne: «a strain that lowly creeps, yet makes mountains plain».

Diria que os momentos de "contacto" com esta «força» (que difícil é traduzir «strain» neste contexto!) surgem neste terceiro «anel» como surgiram no primeiro os momentos de fulguração e esplendor. À distância é-me possível reconhecer o que representam de avanço espiritual sobre os da fase "iniciática", que, contrariamente às "iniciações" esotéricas, nenhuma dificuldade coloca, antes pelo contrário: «as flores juncam o caminho», que se se abre cheio de luz , tudo se tornando possível (mesmo aquilo que, a ser contado, minaria de inverosimilhança a narrativa).

Tomo «infinito singular» como termo geral para referir o "contacto", seja qual for a "forma" que assuma, reconhecível por esse "sinal" sensível que é (aproprio-me do mesmo modo de outro termo de R.M.) o «júbilo da singularidade», uma alegria que não tem contrário por nada ter a ver com o prazer ou com a dor, senão com o Seu «toque ». (Num parêntesis reitero que muitas vezes tem acontecido não só o Espírito fulgurar nas palavras de quem se diz «não crente» ou mesmo »ateu», como ser desse mesmo Espírito que essas palavras falam, sem que quem as usa de tal tenha consciência - refiro-me a uma consciência de superfície, porque creio que a um nível profundo, sem o saber, o saiba quem as diz).

Direi, pois, que, não se repetindo/reiterando a experiência inicial, o "contacto" continua a «acontecer», de formas diversas, dando-se a conhecer como tal pelo sinal referido, tanto mais deslumbrante quanto fascinante se torna a «aventura» com todos os seus perigos. Tudo isto será já (e ainda não) a prometida revelação do que n' Ele «tem estado oculto desde o início do mundo / tempo».
Nesta linha de reflexão os "Poemas do Viandante" cada vez mais se tornam o ponto de tangência em que acontece o "contacto" que logo se manifesta naquele «júbilo» que percorre todo o ser ante algo mais do que o belo. Diria que, no transcendê-lo, dele lança fora o temor que Rilke associa à aproximação do anjo («ein jeder Engel ist schrecklich»). Pura fruição de início, cada poema me move à reflexão e à contemplação do seu fluir, de que o meu progressivamente se indistingue até tudo ser a pura experiência das coisas na combinação que, em vez de apelar à criação de sentido, apela à sua suspensão. O "toque" do que irrompe é ao mesmo tempo o que lhe dá origem. Ao poema que propicia esta experiência chamo "místico".

Este post já vai longo. Começarei um novo, abalançando-me, por via da escrita, a desenvolver a reflexão que estes poemas me têm vindo a suscitar na sequência da experiência propiciada.