terça-feira, 31 de agosto de 2010

descer ao jardim

«As coisas que amamos dizem o que somos», escreve Merton, e nada me parece mais verdadeiro.
Privilegio a imagem do jardim para figurar o espaço (não espaço) aberto a tudo o amo, como se à porta tivesse um guardião que melhor do que eu mesma soubesse o que deve ou não deve entrar. Quase sempre ficam de fora as minhas ficções em torno do que lá tem entrada.  Lá dentro, é como se, despida de mim, me sentisse, ao mesmo tempo, eu mesma e o amor em que contemplo o que em mim o suscita. 

Só posso descer ao jardim quando tenho «a casa sossegada», o que, nestes últimos tempos de deserto, tem sido difícil. Continuo a experimentar grande resistência à ideia da «mortificação» e da «penitência», mesmo como Merton as perspectiva. O sofrimento, se parece inerente à condição humana neste mundo, não pode nem deve ser encarado (e muito menos desejado) como via de purificação dos sentidos ou do espírito. Se tal acontecer será por acréscimo, não como resultado. Não é a ascese, mas o fogo do Espírito que purifica, sendo necessário da nossa parte o nosso sim incondicional.  O nada que é o tudo. O que há de mais fácil e de mais difícil, pois que implica despojarmo-nos de nós mesmos, que é despojarmo-nos das histórias em que nos assumimos narrador e protagonista. Para tanto é preciso reconhecê-las como tal e vê-las «em perspectiva». 

Aquela que, em mim, desce ao jardim não protagoniza qualquer história nem tão pouco a narra. Sou eu que o faço quando a olho. Ela simplesmente ama: Ama-O nas «coisas» e n' Ele as ama, sem carecer de retorno. Mas como me despojar de mim para ser inteiramente nela e acolher no jardim - o mesmo é dizer no Seu amor -  «o que vem» e é já, ou não fosse o próprio Amor?