quinta-feira, 9 de junho de 2011

o testemunho e a sua recepção poética

Tenho, desde Domingo, em compasso de espera este post, que abri para assinalar a Ascensão de Cristo com este trecho de Himmelfahrts-Oratorium de Bach:


A espera não se deve só às tarefas do quotidiano, deve-se também a esta cada vez maior dificuldade em pôr ordem na corrente de pensamentos, que se contrapõem, confrontam e enredam numa confusão que me impede de discernir o que, indistintamente ainda, se configura no «tempo que resta».

«Semeia-se corpo natural, ressuscita-se corpo espiritual», escreve S. Paulo (Cor I, 15:44). Tratando-se de uma ordem de realidade a que não temos acesso enquanto neste «corpo natural», o «maravilhoso» é a via privilegiada por que nos pode tocar a sua «compreensão» (ou, numa outra linguagem, o Espírito).Diria que um sinal de que tal acontece é o poético irromper nesse ponto na sua especial e inconfundível beleza. S. Paulo não fecha o texto à possibilidade desta irrupção. O mesmo fazem os evangelistas nos seus testemunhos que, como tal, deverão em primeiro lugar ser lidos.

A cena da ascensão, bem como todas aquelas em que Cristo ressuscitado aparece, solicitam esta leitura, porventura mais do que as que antecedem a Sua morte e ressurreição,  acrescida do que poderia chamar uma recepção poética. Para este modo de ler o relato evangélico, o corpo natural de Jesus ressuscitado é agora o corpo espiritual glorioso de Cristo, sem que Jesus deixe de ser o mesmo. Não confinado ao espaço e ao tempo, livremente se pode tornar presente onde, quando e como quer (Maria não o reconhece no jardineiro, os discípulos de Emaús não o reconhecem naquele que os acompanha na caminhada, mas, estando fechadas as portas e janelas, aparece no meio dos onze com o aspecto que lhes é familiar). Uma inquestionável beleza poética religa a cena da ascensão do Filho e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, cumprindo as Suas palavras: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos».