terça-feira, 15 de novembro de 2011

«es (das Leben) dichtet uns»

Não traduzi os epigramas de Angelus Silesius que coloquei no último post na ideia de os retomar, na sequência de uma escrita que tende a tornar-se mais da ordem do testemunho do que da reflexão.
Isto prende-se com a minha insistência na singularidade de cada  eu e do (seu) mundo  - coloco o determinante possessivo entre parêntesis porquanto o mundo dito "real", por se considerar comum a todos os que nele estão, não deixa de fazer parte do mundo singular e único de cada um. A linguagem está, naturalmente, implicada na sua construção conjunta (será, nesta perspectiva, interessante ler a narrativa da cura do cego de Betsaida, em  Mc 8, 22-26).
Se antepuser ao que quer que diga a expressão "penso que" poderei dizer o que quiser sem contestação, pela simples razão de que, com esta forma verbal, enuncio um processo psíquico (cognitivo, neste caso), como tal não passível de valor de verdade. O mesmo se pode dizer de "vejo", "ouço", "sinto", etc.. Ou de "amo", "gosto", "detesto", etc., enunciações de processos psíquicos, respectivamente sensoriais e afectivos.  Não podem ser postos em causa
Acontece que,  âmbito que traga a esta ordem de processos (o complemento directo da gramática tradicional), logo enuncio e anuncio o mundo (ou algo no mundo) como representação minha, ou seja, será do meu mundo que estou a falar, um mundo que só quem o "sustenta"  verdadeiramente o conhece.
Se disser «vejo um unicórnio na floresta que é também esta sala» ninguém  mo pode negar. Na melhor das hipóteses , porém, (já que tanto o senso comum como a ciência estabelecem que, no "mundo real," uma sala não pode ser ao mesmo tempo uma floresta, nem tão pouco existem unicórnios), será dado o salto do congruente para o metafórico, do mundo real para o mundo ficcional, da vida para a criação literária/poética.
E é, naturalmente, da criação poética que quero falar.
Com este salto de um mundo para outro, dentro do mesmo, como é óbvio - ficam na sombra  ou na margem o processo e o  medium , enquanto, no centro iluminado brilha o âmbito: o mundo do texto, de que se tem ocupado a análise literária. Não digo que não seja fecundíssimo o terreno, longo tendo sido o tempo em que o trabalhei também. Só que anseio agora ir mais além, além da linguagem, porventura além da «Vida», da qual - como escreve Lou Andreas Salomé em epígrafe à sua narrativa autobiográfica Lebensrückblick - somos a obra. Transcrevo:

«Menschenleben – ach! Leben überhaupt – ist Dichtung. Uns selber unbewußt leben wir es, Tag um Tag wie Stück um Stück, – in seiner unantastbaren Ganzheit aber lebt es, dichtet es uns.(...)»