sábado, 17 de abril de 2010

"o delta desse coração"

"O delta desse coração". Um rio que se alarga em se avizinhando o mar. Uma imagem de que claramente recordo a primeira vez que surgiu diante dos meus olhos. Foi ao ler um texto que descrevia o percurso de um rio como alegoria da vida. Ainda não tinha dez anos e era o texto do exame de admissão sobre o qual incidia a "redacção". Tocou de tal maneira os meus "centros emotivos mais profundos" que, a partir daquele dia em que a metáfora ancestral brilhou para mim com o fulgor de uma primeira vez, haveria de me acompanhar toda a vida.
Isto porque, mesmo então, foi o fim do percurso no encontro com o mar que me fascinou ao ponto de decidir, naquele momento, que a minha vida haveria de ser como a daquele rio que se alargava em se aproximando do fim da viagem. Já nessa altura, foi um delta que se me afigurou, numa imagem tão viva que haveria de me ficar para sempre impressa na memória.
Tinha mesmo já escrito tudo isto num post que não publiquei. Quem compreenderia se dissesse que, depois de um longo curso em que, disciplinadas, as águas deste rio se deixaram correr entre margens que nunca desejaram alargar, toda a geografia, de repente e drasticamente, se tornou outra? Quem compreenderia se dissesse que "o encontro dos encontros" (só mesmo o superlativo hebraico dirá alguma coisa) com o que só poderia ser, já e ainda não, o mar para que corria, fez desaparecer as margens e com elas o velho leito, que não voltaria mais a encontrar? Quem compreenderia se dissesse que o rio se tornou então um lago imenso, onde um dia o delta se começaria a formar e, com ele, tudo seria visto como pela primeira vez?