quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Alguns, como T. Traherne, são capazes de remontar no tempo até aos primeiros meses de existência. O testemunho que invariavelmente dão da visão que esta faculdade lhes proporciona corresponde sempre a  pontos ou momentos de um percurso de vida, ou viagem, que reconhecem acabada de iniciar  (colocarei no blogue que lhe consagro um belíssimo poema de Traherne a este respeito) sem que, todavia, lhes seja possível sequer imaginar que possa ter tido um início a "entidade" que, com o nascimento (ou mesmo a concepção) a inicia. Alguns admitem, por isso, sucessivos reinícios de sucessivas viagens, aqui ou algures.

Todas as interpretações que me parecem belas as olho por isso mesmo como reflexos, cintilações da Verdade que está  - e «mil graças» Lhe dou por isso mesmo -  para além de qualquer esforço de aproximação da sua compreensão. 
Como pouco ou nada recordo desse tempo mágico da primeira infância, apenas posso reunir um conjunto de pontos ou momentos significativos, alguns ao ponto de os poder olhar como reinícios, num degrau ou intensidade de existência superior, da viagem que me levou a esse patamar do salto quântico (autorizo-me ainda a recorrer a esta já velha metáfora, exausta pelo uso e abuso). 
Se um destes momentos pode ser determinante ao ponto de dividir o que se perspectiva do percurso num antes e num depois, outros apenas permanecem vivos na memória, tanto mais vivos quanto inesgotáveis na interpretação. Entre estes integro a única experiência de amnésia que me aconteceu experienciar. A nada posso atribuir a sua ocorrência, uma vez que estava então na força da vida e simplesmente acordara normalmente pela manhã com o sol a entrar pelo quarto, já nesta casa que agora habito. Inquestionavelmente continuava a ser eu mesma, porém sem saber em que "história" (ou viagem). Recordo-me do esforço com que me tentei "integrar" nas circunstâncias que, segundo alguns, me dariam uma "identidade" e que eram precisamente o que se me tinha "apagado" da consciência. Aos poucos lá fui recapitulando e recordo claramente as perguntas que me fiz: onde estava? com quem? seria casada? teria filhos? quem era eu? Fiquei, assim, claramente, com a ideia de o meu verdadeiro ser transcender as categorias narratoriais que me faziam protagonista e narrador da minha própria história. Curiosamente nem pela cabeça me passou levantar-me e olhar-me ao espelho. Também não me perguntei que nome ou que idade tinha. O que me fazia eu mesma subsistia inquestionável como se de sempre e para sempre. Claro que extrapolei a experiência para a passagem desse "limiar" que tendemos a encarar como terminus da viagem. Não faltam relatos da "vida além da vida" relativamente aos quais, como já disse, retenho os que me parecem belos. 
É sobre a beleza (o que ela é para mim) que verdadeiramente queria falar, glosando ao mesmo tempo o tema de reflexão que o Viandante me suscita.