sábado, 11 de junho de 2011

de corpore

imagem colhida aqui
É, naturalmente, a poesia que, como a beleza,  alcança lançar «a ponte do arco-íris» sobre a distância que nos separa da Compreensão. Gosto particularmente desta "visão"  em que junto desta ponte nos esperam, para a passar connosco, os anjos de quatro patas que por um tão curto espaço de tempo nos acompanharam aqui. Uma ponte feita de luz que é também a mão da Compreensão quando nos toca, e que experienciamos como poesia, beleza, graça. 
O que em nós vibra a esse toque diria ser o «corpo espiritual» que em nós se desenvolve, repercutindo-se essa vibração no nosso «corpo natural». Não é de surpreender que, neste, a espera traga momentos de desassossego, como os conhece a mulher que aguarda a hora de dar à luz o novo ser que já traz em si. Sabendo-o, porém, será louca se não fruir cada momento em que o tem em si, como nunca mais do mesmo modo. 
Nesta analogia, deixo tantas vezes passar ao largo esta alegria, que é a Sua. Se é esse corpo mais leve que a sente e estremece, ela não deixa de se repercutir no corpo mais denso. Isabel, bendiz aquela que a visita e o fruto do seu ventre, e dá-lhe conta de que sentiu o filho saltar-lhe no seio à sua voz. Um poema que lança a ponte do arco-íris a ligar as margens é comparável no seu efeito à voz de Maria aos ouvidos de Isabel: estremece o que já é em nós. 

Quando o pensamento me foge para os que nada sentem disto, para os que ficam indiferentes, evoco as palavras que Teresa d' Ávila Lhe escuta quando Lhe manifesta a mesma apreensão: «Que se te dá a ti os outros?» Na verdade, o meu papel junto do outro é única e simplesmente o de confirmar com o meu testemunho o que ele conhece já, como outros fizeram e continuam a fazer comigo. Despertar uma memória esquecida, na sua fragilidade de «voo de pássaro».

Se o que tenho escrito surge suscitado pelo poema «Memória», não é obviamente uma interpretação, nem sequer um comentário. Apenas o testemunho de um estremecimento, do qual muito ainda fica por dizer, talvez precisamente o mais misterioso, o que me parece ter sido proposto como tema de reflexão para este troço do caminho e que me tem criado tanto estranhamento e perplexidade. Falo, claro, do «outro». O «outro» que é também corpo natural e corpo espiritual, chamado a ser um dia, à Sua semelhança, «corpo glorioso». O que é que em mim também por ele  «em desassossego espera»?