quarta-feira, 7 de julho de 2010

«sentimento»

Para prosseguir esta linha de reflexão, tomo o poema mais recente do Viandante (113), não obstante a questão do tu que refiro num post anterior parecer não se colocar com tanta acuidade, não havendo referência explícita nem a um eu nem a um tu nem à relação (que não deixa por isso de lhe ser intrínseca) instaurada por algo que dela nasce e que a sustenta.

Se um eu, irredutível à mera subjectividade, se dá ("se comunica") nas palavras do poema que inquestionavelmente atravessam, vindas de fora, a «pele» que envolve o universo que eu mesma sou (estou a parafrasear um verso de Traherne em que o eu como tal se lhe manifesta: «An Univers enclosd in Skin»), é como tu que de imediato me sinto envolvida no momento em que tal acontece. Direi, porém, que o «acontecimento» se não deve nem ao eu, nem ao tu, mas ao que, irrompendo, se manifesta na beleza das palavras na sua inseparabilidade do eu que as diz e do que dizem/dão a ver.
Quando, como é o caso, o poema toca o eu profundo, há que silenciar o eu subjectivo, exterior, à flor da pele, pronto a interpretar, a contar histórias, a protagonizá-las.
Releio o poema neste anseio e no de verdadeiramente sentir o sopro de uma respiração que não é a minha. O mesmo é dizer abrir ao mistério do "outro" o que é em mim o eu profundo que o poema toca assim. E o sentimento feito deste sentir dizem-no as palavras do poema. Por isso o transcrevo agora aqui:

«sentimento
luz de rosas
sobre terra
de cinza
vergada ao
vento»