terça-feira, 31 de maio de 2011

ainda o livro «dedicado a Mani»

Continuo a ler o livro «dedicado a Mani», como o diz no fim Maaloof,acrescentando estas palavras: «Il a voulu raconter sa vie. Ou ce qu'on peut en deviner encore après tant de siècles de mensonge et d'oubli.» (ver aqui uma sinopse)

A «mensagem» de Mani que Amin  reconstitui é a que hoje ressurge apontando uma via, transversal a todas as religiões, no respeito de todas elas: «En chaque croyance, en chaque idée, sachez trouver la substance lumineuse et écarter les épluchures». E ainda: «Dans les temples que j' élèverai chacun viendra avec ses prières.»

Posso, pois, ver esse templo  como o que Ele anunciou à Samaritana: « Acredita-Me, mulher, vai chegar a hora em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai» (Jo 4: 21) e «Deus é espírito, e os Seus adoradores em espírito e verdade é que o devem adorar» (Jo 4: 24).

Na boca de Mani coloca Amin o princípio em que todos serão concordes:
«Les hommes croient adorer la divinité, alors qu'ils n'en ont jamais connu que les représentations, représentations en bois, en or, en albâtre, en peinture, en mots, en idées.»

Queria continuar a citação, mas prevejo os problemas filosóficos que poderão levantar as palavras «verdadeira imagem de Deus». Com esta advertência, continuo a transcrever:
«Celui qui refuse de voir Dieu dans les images qu'on lui présente est parfois plus proche qu'un autre de la vraie image de Dieu».

«Martha and Mary» (lyrics)

Unto you and I this day is born
there lies the wealth of many centuries
Mary be at one with me

Precious little birds O so gently
Folded wings of tragedy
Hands of Mary comfort me

Calm, her grace grows full of healing
Pure the white rose open wound of feeling
See how the stars are falling, like the tears of Mary
See the stars are falling, falling

Constant torture change and folding me
Yielding blossoms of the tulip tree
Martha spread your arms to me

Sacred remedy to die and grow
moment's instant destinies
Martha reaching out for me

Hoard of plenty crazy curling (?)
dreams a yearning wanton leaching (?) hour
lay this if be (?) like a whirling
like a swirling burning lake of fire, fire

these frail extremities express a grief
of pure impartiality
Mary be at one with me
Hands of Mary comfort me

certain sanctity God s peak (?) to will
all in all and all in you and me
Martha spread your arms to me
Martha reaching out for me

O tempo de Maria

Falei em contemplação e em acção como predisposições naturais que, encontrando condições propícias, tomarão, uma e outra, a forma de «orientações do coração», com um papel crucial nas escolhas que a todo o momento se fazem ao longo da vida, desde as triviais do quotidiano às não triviais e decisivas em termos de rumos de vida. 
Estou, contra o que me propus, a generalizar, quando, na verdade, só estou a ter em conta aqueles que O ouvem chamar lá fora  (os «que têm ouvidos para ouvir»... mas porque os têm uns e outros não?) e Lhe abrem a porta, os que O acolhem em sua casa, como Marta ou como Maria. Poderiam ser Suas as palavras da canção: «Mary be at one with me», «Martha, spread your arms to me». Não dizem elas que Maria escolheu a melhor parte?
Deixarei, num novo post, o que consegui captar da letra da canção
Se a minha escolha  em relação a Ele é a de Maria, a mesma escolha faço em relação ao "outro" em que O encontro, poderia dizer  na «orientação do coração» que, desde logo, nos aproxima e liga. Por isso um outro tempo se instaura - o tempo de Maria - onde não há lugar para pressas nem azáfamas, onde não se colocam objectivos nem se gizam estratégias (talvez daqui advenha ser tão avessa à própria ideia de "planificação"), tudo «acontecendo» a par e passo, clarificando a uma sempre nova luz os passos dados.
Diferente é o tempo de Marta, um tempo em que tenho, porém, de viver, com tarefas a que, mesmo sendo-lhes avessa, me obrigo a cumprir a cada momento em que, urgindo, se me colocam.  Também as ligações  são de outra natureza neste "tempo de Marta" e muito difíceis as consonâncias.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

«a melhor parte»

«Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada» (Luc 10:42).
No episódio das duas irmãs, para Marta, Maria está sem fazer nada, enquanto ela está numa azáfama, a servir. Não deixará de ser do mesmo modo intenso o amor que de modos diferentes Lhe manifestam, uma servindo-O, outra escutando-O e contemplando-O, a Seus pés.
A generalidade dos comentários a este passo, porém, parte do pressuposto de que há em cada um de nós uma Marta e uma Maria e defende um compromisso (que o motto da ordem beneditina - ora et labora - sintetiza). Esquece-se, porém, que tal como são raros os «sábios» (no sentido que traduz «sage», em francês), também são raros os que nascem com uma predisposição para a contemplação, uma «orientação do coração» para algo «que se ama sem se saber o que no mundo possa ser» (já muitas vezes aqui citei estas palavras de Traherne, à revelia do que ensina a Escolástica), algo que está nessa orientação, nesse amor e por sua via se dá a experienciar. Por isso outra é a perspectiva, outro é o modo de olhar do contemplativo. Falei de um «sétimo sentido» num post anterior, um sentido que o contemplativo terá mais apurado, estando implicado na sua especial e rara inclinação.
No mundo que conhecemos, voltado para a acção, é inadmissível um comportamento congruente com esta inclinação e o contemplativo vê-se, com ou sem clara consciência disso mesmo, violentado na sua opção mais profunda e íntima, empurrado, à superfície, nesta ou naquela "linha de acção" (só o nome assusta), em que se não revê e que lhe causa estranhamento. A «melhor parte», a da sua escolha, passa desapercebida aos demais, quando não é desdenhada, ou mesmo condenada.

As «mãos de Maria» e os «braços de Marta» surgem, porém, a par nesta canção em que uma e outra são invocadas (parece-me muito bela, tanto na música como na letra, que me está a ser muito difícil captar na íntegra):

sábado, 28 de maio de 2011

O «sétimo sentido» e o voo em altura

Se temos um sexto sentido para a apreensão do que não é - ou não é só - do domínio da física que conhecemos, diria que somos ainda dotados de um sétimo,  inerente ao todo (físico-psíquico-espiritual) que somos, que nos propicia, não "tocar" a "Compreensão", mas ser "tocado" por ela. Poderia chamar generalizadamente "mística" a experiência que o envolve, ao alcance de todos e que todos de alguma forma conhecem ("sei do que estás a falar" é uma forma habitual de verbalizar este conhecimento). 
Claro que, assim como se pode ser cego ou surdo, perder o olfacto, o paladar e até a sensibilidade da pele,  também o sexto e muito especialmente este sétimo sentido podem não funcionar. A esta deficiência, porém, talvez porque, com a Modernidade, se generalizou, não é dada qualquer atenção. No entanto, não será de lhe atribuir esse mal que do mesmo modo se generalizou e a que se dá indiscriminadamente o nome de "depressão"? Um estado depressivo afigura-se-me particularmente grave quando, não estando directamente ligado a uma situação (desaparecendo, com o fim desta), é acrescido da falta do que atribuo a este sétimo sentido. Estou convicta de que, mesmo quando um tal estado advém de uma situação sem saída, em muito ou em tudo ele conta, propiciando "soluções de continuidade", voos no «meio divino», ou, dizendo-o de outro modo (tenho notado o obstáculo que representa para alguns o simples uso de uma linguagem conotada com a religião), no seio da poesia ou da beleza, que são um e o mesmo.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

de novo, a beleza

Já aqui me referi a um conto de H.G.Wells em que o narrador (?) vê regressar, assomando de um grão de areia, a nave que viu partir ultrapassando o limite da velocidade da luz em direcção aos confins do universo. Nunca li, nem tão pouco encontrei este conto ou algum que se lhe parecesse, mas muitas vezes o meu pai, muito dado a falar por parábolas, contava este episódio. Talvez tivesse contribuído para que decidisse que bastaria - e sobraria -  buscar a beleza nas coisas dadas - o maior milagre - , não havendo necessidade de a procurar longe podendo encontrá-la perto, quantas vezes vindo ela até mim.

Do livro que ando agora a ler (de Amin Maalouf, Les jardins de lumière) transcrevo estas palavras, ditas por Mani, pintor e filósofo oriental do século III, que, segundo o texto da contracapa, «os Chineses chamavam 'o Buda de luz' e os Egípcios 'o apóstolo de Jesus'» :

«La Lumière qui est en vous se nourrit de beauté et de connaissance, songez à la nourrir sans arrêt, ne vous contentez pas de gaver le corps. Vos sens sont conçus pour recueillir la beauté, pour la toucher, la respirer, la goûter, l'écouter, la contempler. Oui frères, vos cinq sens sont distillateurs de Lumière. Offrez-leur parfums, musiques, couleurs. Epargnez-leur la puanteur, les cris rauques et la salissure.»

um frágil reduto na margem da vida

A aceitação, melhor é dizer a não resistência face ao que sobrevem, se começou como um exercício, acabou por se entranhar em mim como um hábito de que não sei avaliar o quanto terá pesado no que me levou a acomodar-me a viver à margem da vida, observando com interesse mas à distância as possibilidades que se delineassem, mas coibindo-me de acreditar na sua realidade, na certeza de que, contrapondo ao que me faltava o que me era dado, tinha por que me considerar favorecida. Assim me habituei e cada vez mais a contar que ficaria sempre de fora, como enunciatária oblíqua do mais sedutor discurso.
É certo que sempre a estabilidade e a segurança da terra firme pesaram nos meus planos de viagem, tal sendo a razão por que nunca almejei fazer-me ao largo.  Cuidei, em vez disso, de sustentar o meu mundo, que circunscrevi a este pequenino reduto, localizado, nesta geografia da alma, entre o deserto e o mar. Assim passei o tempo a reforçar as defesas do que julguei uma fortaleza,sentindo-a agora abalada de dentro e exposta na sua, afinal, tão grande fragilidade.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

a poesia feita palavra

Diria que na beleza que num poema se substancia transparece a marca do divino. Isto só bastaria para que visse no milagre da linguagem (desde o nível micro do fonema ao nível macro do texto no contexto que cria) a sua essência sagrada, incólume a toda a ordem de sacrilégios a que se encontra exposta. 

Quando digo «poema» quero dizer a própria poesia (um outro nome para a beleza?) feita palavra, poesia que do mesmo modo  se pode fazer água, terra, fogo, ar, tudo o que, na sua beleza, O revela e manifesta.

Comungo com Traherne da visão à luz da qual é absurdo, se não mesmo perverso, condenar, em nome de uma religião, um mundo onde uma tal beleza se manifesta, considerando-o vão ou ilusório. Para evitar  controvérsias, Traherne apressa-se a opor dois mundos, aquele que é obra humana e aquele que é obra divina; porém, ainda que o não explicite, a verdade é que, numa outra «meditação»,  desfaz esta dualidade com a intuição da suplementaridade que os pode  harmoniosamente ligar. Assim concebe a criação humana como oferta que Lhe será grata, sendo sempre a Sua própria criação, porém acrescida de algo mais, porventura a Seus olhos mais importante, como fruto de um sentir singular, único, irrepetível. E não pode um tal sentir irromper tanto da alegria na sua fruição, como da tristeza ante obstáculos dela impeditivos?  Não Lhe será do mesmo modo grata a oferenda?

É já um lugar comum dizer que a ausência, manifestando-se como falta, é a forma mais intensa pela qual a presença se dá a sentir. Mas, que seja lugar comum não lhe tira a profunda e intrínseca verdade. Não basta, porém, acreditar que há algures um poço - mais propriamente, água - , para que se torne belo o deserto mais árido (estou, naturalmente, a evocar o Principezinho). Diria que o que basta é que se tenha, ainda que uma vez só, ao longo da caminhada, bebido dessa água. Quando o esgotamento é tal que nem mesmo a sede subsiste, nem por isso nos abandona a certeza de que está connosco a fonte, como diz a letra de um cântico que seria prestimoso em tais momentos, se força ou vontade houvesse para o cantar, mesmo em silêncio.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

mais uma vez aqui

Agora deixo simplesmente que o tempo voe sem me perturbar com isso.Um outro tempo (outros mais haverá) corre paralelamente a uma velocidade diferente. Os registos que aqui se deixam só são distanciados no tempo dito real, pois que, no seu próprio tempo (que criam), cada um que se acrescente aproxima de si o anterior, não mais o mesmo, mas, sujeito, como tudo, à «lei da suplementaridade», sempre outro.

Diria ser assim que de imediato se me manifesta num texto o que o faz poético, não sendo a poeticidade uma propriedade das palavras, antes lhes advindo ou sobrevindo. O que experimento, porém, e que me envolve numa como que tristeza ou desalento, é a incapacidade de reajustar estes dois tempos anulando, no que voa, o in between responsável pelo distanciamento que as datas assinalam. É esta impossibilidade que me faz perder o élan, que, em face de um poema, atribuo em parte à energia do "outro", ainda suficientemente densa em torno do acontecimento que me suscita a escrita. Com o tempo, ela dissipa-se e fico como que a sós comigo mesma. O "terceiro", se irrompe, é sobretudo deste diálogo para todos os efeitos entre mim e mim mesma (ainda que sempre "outra" também).Quando uma parte de mim se dilui e dá lugar a um Tu é como se uma saída do labirinto, sempre claustrofóbico (evoco a este respeito um texto de Vergílio Ferreira, verdadeiramente angustiado e angustiante, que deixarei aqui), se me abrisse adiante, cheia de luz.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Regina Caeli



Se nada aqui deixei a assinalar o dia 8 do mês de Maria, faço-o agora com esta escolha de Regina Caeli.


Regina caeli, laetare, aleluia.
Quia quem meruisti portare, aleluia.
Resurrexit, sicut dixit, aleluia.

Ora pro nobis, Deum, aleluia.
Gaude et laetare, Virgo Maria, aleluia.
Quia surrexit Dominus vere, aleluia.