domingo, 26 de dezembro de 2010

Festa da Sagrada Família


Na verdade, o amor não se impõe: acontece. Se assim é com todo o amor, como o não será com o verdadeiro e supremo amor que é o Seu e que é Ele mesmo, que, como o prometeu, estará sempre onde dois ou três estiverem reunidos em Seu nome. Feliz e verdadeira será a família que, constituída nesta base e nesta certeza, assim persista, à imagem da de Nazaré.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Verbum caro factum est

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ainda o estreitar da relação com Maria

Desde a primeira semana do Advento que tento começar o dia como se «tivesse oração», mesmo não a tendo: assumindo o vazio na sua plenitude como o "negativo", digamos assim, da plenitude com que o desejaria encher. 

Com tanto bulício à minha volta e no entanto tão só comigo mesma (mesmo com os que através de mim vieram ao mundo tão poucas afinidades encontro), tento olhar tudo isto como também um negativo de uma paz que, como o verdadeiro amor, «o mundo não pode dar». Assim Ele o disse: «Deixo-vos a Minha Paz, dou-vos a Minha Paz; não vo-la dou como o mundo a dá...» (Jo.14,27).

Dos momentos que Lhe consagrei esta manhã ficou-me uma imagem de uma tríade em que, mais do que em qualquer "outro", Ele está em e com ela, Maria, na sua relação privilegiada com o Filho e, através do Espírito Santo, com o Pai. Vejo-a agora onde desejei ver o "outro", como se, antes de o encontrar, devesse buscar nela o mistério da face feminina de Deus. 
Do Génesis 1:27, é esta a tradução que faz brilhar para mim mais viva esta luz: «E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou» (na New King James' Version: «So God created man in His own image; in the image of God He created him; male and female He created them.»)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Shlom Lech Maryam-Ave Maria in syriac/aramaic ماجدة الرومي

Богородице, Дево, радуйся (Bogorodice, Djevo, radujsja) Sergej Rahmanjinov


Bogorodice Djevo,

radujsja, blagodatnaja Marije,

Gospod s Toboju!

Blagoslovena ti v ženah,

i blagosloven plod čreva tvojego.

jako Spasa rodila jesi duš naših.


A «palavra de profecia» anunciou-me também que encontraria em Maria, e, com ela na Sagrada Família, um sentido que anularia aquele como que estranhamento que sempre sentira ao dirigir-lhe orações ou cânticos como se intermediasse uma relação que me parecia poder e dever ser directa. Se esta anunciação me fez estremecer, o certo é que não me surpreendeu, tanto quanto vinha a tomar consciência de uma mudança significativa no modo como, nesta incapacidade que se arrasta de «ter oração», tenho invocado o seu auxílio e confiado à sua protecção aqueles que de algum modo me terão sido confiados e que mais precisam dela. Num esforço de recapitulação já não sei se foi Maria que me trouxe aquele que não sem razão nasceu sob o seu signo tendo-lhe, como lhe tem, uma particular e especial devoção, se foi ele que, por isto mesmo, a tornou para mim mais próxima, se as duas coisas, uma na outra implicadas.

sábado, 18 de dezembro de 2010

«o azul que do céu se desprende»

Mais uns dias passaram sem que deles ficasse um pensamento escrevível a assinalar um pequenino avanço que fosse neste troço mais penoso do caminho. Há sempre uma encosta voltada a norte onde o sol não bate... Uma «palavra de profecia» anuncia-me que pela Quaresma a terei contornado e o sol nascente inundará de luz a paisagem. Anuncia-me também que o que vier será bom, «como melhor não há». Responderá a este anseio, tão vago e indistinto e todavia tão poderoso que torna temível a aproximação do que quer que substancie aos meus olhos um objecto que não lhe posso sequer imaginar sem que logo se desvaneça o anseio, que de si mesmo se nutre. E, no entanto, desejo o que, sem que saiba o que seja, me é assim prometido.

A consciência da mudança «que não se muda já como soía» não tem necessariamente de trazer consigo a nostalgia de um Verão sem retorno. "Nostalgia" parece-me o termo mais adequado pois que, a maior parte das vezes, o Verão nada trouxe que deixasse saudades e o que se lamenta é não se o ter  ainda adiante, prolongando-se indefinidamente. Uma alternativa a esta visão e às consequências desastrosas que traz para a vida é a de buscar a beleza inerente a cada estação, descobrindo que o Outono pode ser mais glorioso do que a Primavera e o Inverno mais promissor do que o Verão.

Bem mais poderosa, no entanto, me parece ser a alegoria da viagem que nos faz peregrinos: «para casa do Pai», «para terras de além», «de claridade em claridade», prosseguindo sempre. A cada um de nós pertence perspectivar «o fim da viagem» («se é que o tem», cito.) Neste plano, «da acção», mas também «da escrita», apraz-me a imagem do caminho da montanha, em ciclos em torno de um eixo vertical invisível que passa pelo cume e o prolonga céus adentro. O caminhante sabe que não há retorno, mas também sabe que, se no plano físico os ciclos se estreitam, na mesma proporção se alargam nos outros planos não menos «reais» da sua existência.
Sabe que não é bom parar à beira do caminho na contemplação do vale que ficou para trás ou no temor paralisante do que do adiante possa advir.

A alegria de avistar o "outro" no caminho do cume é tão grande quanto a tristeza ante a desistência de cada um daqueles que, durante algum tempo, o acompanharam, ainda que de costas, cobiçando a companhia dos que, no plano natural da viagem, trazem, ainda viçosas, braçadas de flores da encosta voltada a sul. Deixam-se, então, ficar, caída a noite, esperando os que vão chegando. Porém, em breve murcham e secam as flores que lhes arrancam dos braços. 

Avistei alguns destes quando eu mesma ali cheguei e aos que se aproximaram mostrei-lhes as minhas mãos vazias. É que, ainda que nem todos as ouçam, as flores perguntam sempre «Soll ich zum welken gebrochen sein?». Mesmo que, como o poeta, as arrancasse «com todas as suas mais pequeninas raízes», outro seria o solo para onde as levasse. Além disso, anima-me esta certeza de que outras encontrarei de uma muito maior beleza e que sobre «os bosques verdes / de musgos sombrios» da encosta virada a norte «cai em flocos» «o azul que do céu se desprende», agora como «naquele tempo».

(A interpretação que a minha amiga Celeste faz do poema belíssimo que cito e reporto suscita-me de algum modo a apropriação que faço (alterando os tempos verbais como o itálico o assinala) no trazê-lo a este contexto, em que reverbera um acorde do epigrama de Silesius, que, no contraste, paradoxalmente se esvazia para que o encha a «sobrevida» que do agora lhe advém:
«Der Himmel senket sich / er kombt und wird zur Erden:
Wann steigt die Erd' empor / und wird zum Himmel werden?»)
Peço à minha amiga que deixe aqui um comentário a este post dando conta da lindíssima aula que este poema motivou.)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Bruckner: Tota pulchra es, Maria

porque hoje é 8 de Dezembro

O meu coração canta em louvor de Maria e a este canto associo a voz (silenciosa ou não) daquele para quem Maria é de um modo muito especial presente também neste dia igualmente seu.





Tota pulchra es

Tota pulchra es, Maria,
et macula originalis non est in te.
Vestimentum tuum candidum quasi nix, et facies tua sicut sol.
Tota pulchra es, Maria,
et macula originalis non est in te.
Tu gloria Jerusalem, tu laetitia Israel, tu honorificentia populi nostri.
Tota pulchra es, Maria.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Uma imagem da montanha

É de um outro filme esta imagem da montanha em que mais claramente se faria ouvir a «voz deste chamamento».

Assim a visualizo, nesta «história de encantar» que a mim mesma conto e que me traz aqui.

A questão das imagens (3)

 
colhida aqui
Como é evidente, também de nós mesmos construímos imagens na base das quais se sustenta (ou não) a "auto-estima" (conceito hoje tão empolado e dominantemente tão mal-entendido). A indignação e a revolta, mas também a mágoa e a dor advêm da discrepância entre a imagem que fazemos de nós e a que sentimos que nos está a ser «colada» pelo "outro". Quanto mais «privilegiado» ele for, tanto maior e mais profunda a tristeza decorrente.


Alheio a uma  e  outra "pele" (e ao atrito entre uma e outra) está o "referente", o que verdadeiramente somos e que quero acreditar corresponder dominantemente ao que, do fundo do coração, mais desejamos ser.  Tal o desejo que "anima" a espécie de «avatar» (poderia acrescentar o filme aos  meus favoritos) que irrompe desta escrita vestido na "pele" (desejada azul) do seu "sujeito da enunciação": sempre outro na voz - e na imagem - que lhe for dada na leitura. Também o mundo da escrita é feito de imagens a construir com o "material" fornecido (de onde o temor que sempre me assiste na sua escolha).

Na consciência clara de que nos é inerente construir imagens e ciente da sua precariedade, aprendi (a recapitulação que me permite verbalizá-lo consolida ao mesmo tempo o conteúdo da aprendizagem) a estar a todo o momento pronta a desconstruí-las e não hesitar em fazê-lo. A acreditar na influência dos astros, a lua em Balança, o Sol em Leão e o ascendente em Virgem não poderiam ser mais propícios a este exercício. A esta conjugação astral devo talvez também o ter sido sempre tão avessa a «fazer ondas,» ou a «deixar marcas na paisagem» (na formulação do primeiro dos poetas que haveria de encontrar «no caminho da montanha», depois de percorrida toda a planície, como numa «história de encantar»).
Como «caminho da montanha» vejo este último troço da peregrinação. Acolho a imagem que me «veste» e «veste» o "outro" (tornando-o «privilegiado») que no caminho encontro na pele de peregrinos, caminhantes, seguindo uma estrela e por ela tocados de modos diferentes, porém, complementares - ou não irrompesse a poesia, como o sublinhou Rilke, «na produção, como na recepção»... (Um outro filme que colocaria entre os favoritos seria «Encontros imediatos do 3º grau» - a que pertence a imagem que escolhi - pela beleza e simbologia do "chamamento" da montanha).

A questão das imagens (2)

Devo explicitar (reiterando o que já aqui terei dito) o que penso com respeito ao texto dito "sagrado": acredito que só verdadeiramente o é no momento em que "acontece" a relação trina de que irrompe um sentido que fulgura como verdade no momento e para o momento. Não fazer imagens / representações seria  um contra-senso se é da nossa essência construí-las. O perigo de que nos adverte o texto bíblico estará em tomar a imagem pelo "referente" («em si mesmo» inalcançável) e vesti-lo nessa imagem como se da sua pele se tratasse. 

Mesmo num animal se colam imagens: não é o rato em si, mas a imagem (a tornar as coisas piores, uma imagem estereotipada) que se lhe "cola" que está na origem do pavor irracional que em muitos suscita Poderei trazer aqui o textinho  em forma de diálogo entre mãe e filha que escrevi a este respeito, se a minha amiga F. Maio - que lhe deu o título de O canto da água me autorizar a que aqui coloque os quadros que para ele pintou.

A questão das imagens (1)

Há textos que nos sobressaltam e marcam para toda a vida. O impacto deste, de Max Frisch, data dos tempos da Faculdade (o excelente professor de Língua Alemã, Hans Schemann, soube dar-lhe especial destaque entre os da antologia). O texto intitula-se «Du sollst dir kein Bildnis machen» e glosa o versículo bíblico - Exodus: 20,4 - com enfoque no "outro" à semelhança de quem nos deveríamos abster de fazer imagens.

Aprendi com o tempo que as imagens que construímos do "outro" (o processo é, naturalmente recíproco) funcionam como redes que só deixam passar os "traços" que as consolidam, até que, à maneira dos paradigmas científicos, se esboroam e desfazem quando a multiplicação das «anomalias» os abala e faz entrar em crise. Isto explicaria tanto o ardor inicial como o desencanto final da relação amorosa e o papel conferido pelos românticos à morte na sua preservação. A corroborá-lo temos toda a literatura novelesca.

Que peso não terá tido este texto de Frisch (e toda a literatura que sustentou todo o meu imaginário de então) no relacionamento que iniciara (teria dezoito anos) e que, tant bien que mal,  haveria de se sustentar por toda a vida? Ironicamente vejo advir todos os problemas com que me confronto hoje das imagens que me afivelaram ao rosto e me fazem sentir, neste espaço em que me movo, como uma espécie de "prisioneiro da máscara de ferro". Não vêem que eu não sou como me vêem? Esta pergunta é um grito sufocado em mim, aceite que foi por mim, desde há muito, encarar a situação (bem como o inerente isolamento a que me vejo votada num espaço na construção do qual, para todos os efeitos, tive um papel) como intrínseco ao percurso de aprendizagem que me pertence levar até ao fim.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Beleza tão antiga e sempre nova

A escrita abre ao pensamento uma via na direcção de uma "verdade" que almejamos, que orienta o nosso caminhar e que é ao mesmo tempo aquilo em que, seguindo-a, nos vamos tornando, passo a passo. Nesta perspectiva (em que a "verdade" e a "beleza" uma na outra se convertem na trindade com o maior bem),  é para uma cada vez maior beleza que avançamos, uma beleza, que, para quem for capaz de a "ver", transparece no rosto, na voz, na palavra do "outro". A tal sendo chamado, mais «privilegiado» não poderia ser (mesmo que, porventura, o não tenha abonado a natureza ou o tempo nele tenha deixado impressa a sua marca...).A experiência desta beleza é sentida como manifestação daquela alegria transbordante que é a Sua e que Ele quis que em nós estivesse e fosse plena. Tarde, não, antes diria cedo Te amei, ó Beleza tão antiga e sempre nova... 

Tal a beleza que nos salva. O corolário formular-se-ia na nossa mente ainda que não fosse, nesta linha de pensamento, explicitado pelo grande escritor russo: «não há nem pode haver nada mais belo do que Cristo!». Tendo encontrado aqui um excerto em inglês, aqui o trago:

‘Sometimes God sends me moments in which I am utterly at peace. In those moments I have constructed for myself a creed in which everything is clear and holy for me. Here it is: to believe that there is nothing more beautiful, more profound, more sympathetic, more reasonable, more courageous and more perfect than Christ, and not only is there nothing, but I tell myself with jealous love, that there never could be.’

A gaelic blessing (by Rutter)

Só a música, não toda a música, mas, no momento e para o momento, esta ou aquela composição em especial, por vezes um breve trecho, algumas notas, pode competir com o puro silêncio de um olhar contemplativo sobre o fascinante mistério do outro. E, quando silêncio é de outra natureza, denso de um querer dizer inverbalizado, é ainda a música que o liberta do peso porventura opressivo transmutando em som a própria ânsia de dizer.

A pintura também pode de alguma forma realizar, em forma e cor, esta transmutação. A "encáustica" parece-me particularmente propícia pelo concurso de uma «outra mão» imprevisível a quem muito (ou tudo) se confia. Em alguns casos diria que só ela trabalha misturando formas e cores na expressão do que também só ela verdadeiramente sabe de cada um de nós. No meu mais intrínseco desejo que é, foi e será o de «reencantar o mundo» (ao menos o meu), apresenta-se-me como mais um modo de intervenção do maravilhoso. Uma pintura desta natureza não toma sobre si qualquer carga significativa que a associe a este ou àquele sentido que possa pesar no seu dizer (que é verdadeiramente "dar a ver"). Chamar-lhe acaso é retirar-lhe o brilho e o contraste em vez de lho acentuar.

Thomas Tallis - "If Ye Love Me"




"If ye love me, keep my commandments,
and I will pray the Father,
and he shall give you another comforter,
that he may bide with you for ever,
ev’n the spirit of truth."

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

«à plusieurs voix»

Derrida termina com estas palavras a sua Psyché, Invention de l'autre: «l'autre appelle à venir et cela n'arrive qu'à plusieurs voix».

Muitos consideram enigmáticas estas palavras e tentam resolver o enigma. Outros apenas as citam, sustentando o mistério que verbalizam.
Direi que a voz (mesmo quando silenciosa)corporiza o impulso a responder ao «apelo», a ir ao encontro daquilo que só como âmbito do próprio sentir irrompe, «vem», «acontece». Tal a tomada de consciência do mistério do que de radicalmente outro (otherness)nos toca, move, sobressalta.