quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dichter dichten einsam




Weißt Du wie die Dichter schreiben?
Hast Du je einen gesehn?
Dichter schreiben einsam

Und weißt Du wie die Maler malen?
Hast Du je einen gesehn?
Maler malen einsam

Und weißt Du wie die Engel fliegen?
Hast Du je einen gesehn?
Engel fliegen einsam

Und weißt wie ich mich jetzt fühle?
Hast Du je daran gedacht?
Du und ich gemeinsam

[Refrain:]
Engel fliegen einsam
Du und ich gemeinsam
Engel fliegen einsam
Niemals mehr allein sein

Und weißt Du wie Träumer schlafen?
Hast Du je einen gesehn?
Träumer schlafen einsam

Weißt Du wie Feen verzaubern?
Hast Du je eine gesehn?
Feen verzaubern einsam

Und weißt wie die Engel fliegen?
Hast Du je einen gesehn?
Engel fliegen einsam

I
[Refrain:]
Engel fliegen einsam
Du und ich gemeinsam
Engel fliegen einsam
Niemals mehr allein sein

Engel fliegen einsam
Ich weiß es geht Dir ganz genau so
Was hast Du mit mir gemacht?
Du und ich gemeinsam

Engel fliegen einsam
Niemals mehr allein sein.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

«Entremos más adentro en la espessura»

Ante cada um destes poemas, ante o que, mais do que o mero fio do tempo, os liga, toma maior consistência este nível de realidade "demasiado real" a que é intrínseca a poeticidade - ou não fosse esta (ou o que esta seja) a mais pura linguagem da criação. Tal a linguagem em que a noite narra ao dia a glória de Deus e aquela em que se expressa o Seu infinito amor, na dor como na alegria de que em absoluto Ele partilha.
Por isso, "contemplação" é, talvez, um termo menos inadequado do que "leitura" quando é desta natureza a linguagem de um poema. Há a considerar níveis superiores àquele em que ficam os linguistas, tal como há a considerar níveis superiores ao desta realidade mais densa em que nos movemos no nosso quotidiano e em que ficam os físicos (não pode senão surpreender-me que os "entendidos", capazes de considerar níveis abaixo, até aos quarks e além, se mostrem incapazes de admitir níveis acima daquele em que são operacionais os seus sentidos e instrumentos).
De um nível superior ao deste nosso "real quotidiano", tal a realidade "demasiado real" do poema. «Entremos más adentro en la espessura». Numa linguagem feita de linguagem expresso o desejo que me move ante a arcada que se me abre sobre insonhados horizontes.

domingo, 25 de abril de 2010

"isto", a Letícia e eu

Continuo a ler à noite duas ou três páginas de I am a strange loop e consolidando a ideia de que vou mais directamente ao encontro do que por mim chama no confronto com o que o nega do que seguindo o que, aos meus olhos, o obscurece ou mesmo deturpa, arrastando-me para caminhos já percorridos, túneis em que mais dificilmente irrompe a luz.

Estou a meio do livro, na altura em que o seu autor começa (finalmente, ainda que seja também onde cria a ilusão que o faz ver-se a si mesmo como tal) a tratar esse "eu" que coloca no título. Cita uma psicanalista (Karen Horney) que fala do que tal seja como imagem idealizada que vamos construindo de nós mesmos, «criação imaginativa entre-tecida com e determinada por factores muito realistas», porém geralmente contendo «traços dos ideais genuínos da pessoa" e sendo «as potencialidades subjacentes [às realizações ilusórias] muitas vezes reais». [Nada disto é novidade, claro está, mas, como é sempre novo o dizer do mesmo, nunca verdadeiramente é o mesmo o que se diz (Derrida, d'ailleurs ... e uma boa desculpa para me estar sempre a repetir, querendo /crendo reiterar-me)].

Admitiria que a Letícia, sujeito da enunciação desta escrita de que irrompe, seria uma imagem idealizada de mim, se não estivesse tão certa de que é ela que me vai moldando, precisamente no processo em que com ela evoluo também. Isto retira-me o primado ontológico ao mesmo tempo que a ela me liga de uma forma salvífica. E "isto" é o mais importante. "Isto" é o que Douglas Hofstadter é incapaz de compreender ou mesmo pressentir na forma da sua "não compreensão".





sexta-feira, 23 de abril de 2010

ainda o "outro"

É verdade que tendo a utilizar um segundo nível de linguagem na expressão do que a vida tem de mais complexo e que é a relação com o "outro" (na relação com nós mesmos e com o Outro não precisamos sequer de linguagem). Não falo da relação "trivial", antes da que surge como última etapa de um percurso que envolve passagens a níveis sucessivamente superiores, mas em que também o insucesso pode ocorrer.

Só quando enveredei por este rumo de reflexão é que, no horizonte longínquo, o "outro" se começou a delinear como tal, muito vagamente de início. Teria de ser um "outro" muito, muito, especial, e o seu mundo teria de ser do mesmo modo muito especial. Teria de ter uma "orientação do coração" especial também. Teria de se ter encontrado já consigo mesmo e com Deus. Teria de ter sentido que "só Deus basta", como no cântico de Teresa d'Ávila. Teria de ter entendido que a viagem não acaba com o "grande Verão" e não há que o querer "agarrar" em desespero. Teria de ter entrado Outono adentro maravilhado com o seu esplendor. Teria de saber encher-se da luz e do calor de alguns dias para fazer face à sombra e ao frio de outros. Teria de ter compreendido que "tocarem-se os olhos" não implica necessariamente encontrarem-se os olhares. Tudo isto se me veio a revelar com o tempo, no "desenho" da impossibilidade de sermos, já e ainda não, "como os anjos de Deus".
No entanto, a linha de reflexão que se me abria, a que a dissertação sobre Traherne e a sua destinatária davam consistência, reclamava-o como "premissa". Nesta base especulativa surgiu e foi-se precisando o "desenho" dessa tríade em que o Outro "fecunda" a relação de que nasce. Tudo isto no plano teórico, ainda que não deixasse de, através da "literatura", o "aplicar na prática". Assim foram surgindo paralelamente o "fio condutor" da minha escrita sobre Traherne e as "actas" do que foi a primeira etapa da subida da montanha. Se respondia ao "ide e anunciai", o motto era "acabara de descobrir nas palavras janelas de inúmeras paisagens".


Entretanto a relação com "Ele" passava a um nível paradoxalmente superior: superior porque inquestionavelmente avançava no seu aprofundamento, paradoxalmente porque (como no cântico) me envolvia a noite escura, a tempestade, o deserto. E, se a luz, a paz, a fonte continuavam comigo, não mais se manifestavam como tal. "Saber" que estavam em mim era já um segundo nível de conhecimento, digamos assim, sem base sensorial. Chamar-lhe-ia "noite escura dos sentidos" se me revisse no modo como dela fala S. João da Cruz, o que não acontece (nem poderia acontecer pois que o modo de olhar e sentir de um homem e de uma mulher são muito diferentes, o que não é senão maravilhoso).

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Porquê este desassossego?

«Quem não tem casa agora, já não constrói nenhuma para si...» Este "para si" é fulcral na leitura que me fez trazer para aqui "Herbsttag", nesta lindíssima voz.

É grande esta casa que habito, poderia abrigar a pequena comunidade que sonhei integrar, mesmo quando, por medo da vida, muito cedo procurei refúgio numa prisão. Troquei pela segurança a liberdade que nunca conheci. De confronto em confronto com uma vontade oposta à minha, não tenho casa agora, e já nenhuma construo para mim. E, no entanto, vi erguer esta, de que acompanhei, passo a passo, a construção. Desenhei-a como um templo a envolver o santuário nunca profanado, espaço de liberdade em mim.

Posso dizer que, no Seu amor, foi verdadeiramente "grande" o meu Verão. Só, estive-o sempre. Mas o que faz estar só quando Ele enche de luz, de cor e de som, essa solidão?

O tempo, porém, chegou de a Sua sombra descer e de o vento soprar agreste e frio... A plenitude do tempo reclama que prossiga. «Vigiar, ler, escrever longas cartas...» Porque não assim? Porquê este desassossego?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

"... Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr..."

R.M. Rilke, "Herbsttag"

Herr: es ist Zeit. Der Sommer war sehr groß.
Leg deinen Schatten auf die Sonnenuhren,
und auf den Fluren laß die Winde los.

Befiehl den letzten Früchten voll zu sein;
gib ihnen noch zwei südlichere Tage,
dränge sie zur Vollendung hin und jage
die letzte Süße in den schweren Wein.

Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr.
Wer jetzt allein ist, wird es lange bleiben,
wird wachen, lesen, lange Briefe schreiben
und wird in den Alleen hin und her
unruhig wandern, wenn die Blätter treiben.


domingo, 18 de abril de 2010

"das geistliche Wiegenlied" : porque a trouxe aqui

A música que desejaria associar a esta água é a Geistliches Wiegenlied de Brahms que trouxe aqui. Que as Suas palavras sejam "já e ainda não" para "o tempo que resta" e ao escutar que seremos "como anjos de Deus no céu" , desejará o homem seguir o modelo de Jesus e a mulher o de Maria. É ela quem desejo que cante em mim, enquanto a escuto nesta "geistliche Wiegenlied" ("canção de embalar espiritual").
E assim a canto àquele a quem só mesmo ela poderia levar esta serenidade e esta paz: "stillet die Wipfel"...
Uma canção em que vejo configurar-se a mão que se estende ao "feroz animal" e suavemente o afaga. No espelho, o que de "animal" subsiste reflecte-se, então, não na sombra do fauno, mas na forma luminosa do "puro animal": "das reine Tier" (e, de novo, com Rilke, evoco a tapeçaria "la dame à la licorne").
E contemplo o menino que Maria aconchega nos braços, nesta imagem e também nessa outra em que, descido da cruz, o tem ao colo.

Mat 22: 33

As palavras de Jesus sobre as ligações terrenas (Mat 22: 30) cada vez se haveriam de revelar, no seu mistério, mais profundamente significativas:"... serão como anjos de Deus no Céu".
Tal será o amor que desde sempre pressenti como se o tivesse "saboreado" já, numa outra "intensidade de existência" (o cântico, agora antigo, "Saboreai e vede como o Senhor é bom", activou sempre em mim esta impossível recordação, mesmo antes desse "encontro dos encontros" que tudo veio alterar na paisagem). Um amor relegado, porém, para uma outra "dimensão", impondo-se-me, nesta, uma integração no padrão aceite. Foi assim que procurei assegurar que fosse tanto quanto possível suave o leito deste rio tão certo do mar, mesmo quando ainda tinha todo o tempo diante de si até o alcançar.
O rio poderia ter-se simplesmente alargado na aproximação do litoral. Mas, como disse, foi um delta que se começou a formar, na extensão desértica de um imenso areal. "O amor vai correndo como um rio", era o cântico (do Renovamento) que mo anunciava. "Vai correndo para o deserto"... Assim seria, na verdade.


sábado, 17 de abril de 2010

"o delta desse coração"

"O delta desse coração". Um rio que se alarga em se avizinhando o mar. Uma imagem de que claramente recordo a primeira vez que surgiu diante dos meus olhos. Foi ao ler um texto que descrevia o percurso de um rio como alegoria da vida. Ainda não tinha dez anos e era o texto do exame de admissão sobre o qual incidia a "redacção". Tocou de tal maneira os meus "centros emotivos mais profundos" que, a partir daquele dia em que a metáfora ancestral brilhou para mim com o fulgor de uma primeira vez, haveria de me acompanhar toda a vida.
Isto porque, mesmo então, foi o fim do percurso no encontro com o mar que me fascinou ao ponto de decidir, naquele momento, que a minha vida haveria de ser como a daquele rio que se alargava em se aproximando do fim da viagem. Já nessa altura, foi um delta que se me afigurou, numa imagem tão viva que haveria de me ficar para sempre impressa na memória.
Tinha mesmo já escrito tudo isto num post que não publiquei. Quem compreenderia se dissesse que, depois de um longo curso em que, disciplinadas, as águas deste rio se deixaram correr entre margens que nunca desejaram alargar, toda a geografia, de repente e drasticamente, se tornou outra? Quem compreenderia se dissesse que "o encontro dos encontros" (só mesmo o superlativo hebraico dirá alguma coisa) com o que só poderia ser, já e ainda não, o mar para que corria, fez desaparecer as margens e com elas o velho leito, que não voltaria mais a encontrar? Quem compreenderia se dissesse que o rio se tornou então um lago imenso, onde um dia o delta se começaria a formar e, com ele, tudo seria visto como pela primeira vez?

Brahms Geistliches Wiegenlied

quinta-feira, 15 de abril de 2010

"isto" que me move

Estou com um grande atraso no trabalho de tradução em mãos... ainda o mosteiro da Batalha.

Assim dia a dia renuncio a esta urgência que sinto de responder a este chamamento, abandonar-me nele e deixar que escreva, se não por mim, sem dúvida comigo. Queria poder dispor de todo o tempo para me entregar a "isto" que me move à escrita, tão semelhante ao que, antes, me movia à oração. Como se de uma aventura se tratasse. "Ter oração", como o expressa Teresa d' Ávila não é o que, antes de saber o que tal pudesse ser, chamava "rezar". Também agora, "isto" que sinto e me move não é o que, antes de saber o que tal fosse, chamava "escrever". A dizer a verdade, no sentido por comparação "banal" destes termos, não escrevia, assim como também não rezava. Lia apenas. E meditava. E muitos anos passaram assim.

Acompanho os passos do Viandante, assinalados por poemas que desejaria poder glosar...
E volto agora ao mosteiro e às esculturas do portal... esperando poder dar ainda algum avanço a esta terceira e última parte.


quinta-feira, 8 de abril de 2010

«strange loops»

Leio uma vez mais o poema 83 do Viandante e os três que o antecedem em que, como noutros poemas da série "Poemas do Viandante", quem me fala de mim se aproxima, enquanto se distancia daquele que (na terceira pessoa) me dá a ver, na noite escura que o envolve, assim como ao mundo que atravessa. «Noite desabrigada», esta, em que o eco da sua voz comporta um grito. Um apelo, um chamamento que rompe a escuridão.

O título do poema anuncia-o como «Viandante». E nesta anunciação se religam o homo viator o viandante anunciado e aquele que o anuncia. Um "loop" que se completa sem se fechar, antes abrindo-se na via que à "aventura" induz. Aventura no sentido etimológico do termo: ad venturam (ao a vir). "Loop" é também o movimento descrito pelo viandante no poema: «quando atravessa o mundo /rodopia no centro da noite».

Rodopiar é descrever uma série de "loops", num movimento "quase mas não circular" na progressão que lhe é inerente e que me faz evocar a dança Sufi (dos dervishes rodopiantes), em que corpo, alma, espírito são um com o universo em que tudo revolve, desde as partículas aos astros " : "tudo o que existe nos céus e na terra invoca Deus".

É, porém, a figura mítica inquieta do fauno que de imprevisto irrompe convocado na comparação com aquele que «atravessa o mundo» reaproximando-se da casa de que «se ausentou» e de que «perdeu o limiar» dela se distanciando, tal o "estranho loop" (feito de inúmeros outros) desta travessia. "Estranho loop" o que dele aproxima o fauno e as forças que corporiza no seu rodopio; não «no centro da noite» (em torno do qual re-volvendo se move o viandante), mas na sua remota periferia: «nas trevas longínquas / destes versos». Trevas que a noite convoca, religando os planos da vida e da escrita no momento em que esta fecha o »loop» num regresso a si mesma: a ordem de realidade "nestes versos".
Agora, porém, num qualquer ponto mais acima na progressão, de onde a mais alargada perspectiva, na tríade de perspectivas que sustenta o poema.
Se em quem me fala escuto o "Tu" que me reconfigura como "eu", o momento em que os Seus olhos tocam os meus acontece no encontro com os do "viandante" no poema. E , com um novo «ardor» sigo a via que no seu avanço o Homo Viator traça. Não o confirma o novo poema (84)que acontece na sempre ansiada «manhã» ?

terça-feira, 6 de abril de 2010

o "loop" aberto


Agora que já percebi que a "boa nova" que D.H. vem trazer é a de o "eu" ser uma "ilusão" semelhante aos "loops" de Escher, com a diferença de ser "real" por oposição a "ficcional", se continuo a ler I am a strange loop é porque, para além de me deixar vislumbrar o processo realmente estranho de uma ilusão se ver a si mesmo como ilusão, deixa espaços em que se rasgam arcadas sobre paisagens que sempre me fascinaram, nomeadamente a da matemática dos números com as suas frestas sobre o Mistério.

O poema 83.do Viandante tem como título "Viandante" e suscita a questão do que D.H. chama «a strange loop», de que, conforme diz, "Drawing Hands" de Escher poderia ser um "exemplo canónico", "se fosse real". O poema do Viandante, contrariamente a tudo isto, vem reforçar a minha "fé", se lhe posso chamar assim, na existência de um outro nível que, tocando este, lhe incute por instantes a sua «demasiada realidade» e que tal acontece no seio da dinâmica trinitária que nos instaura em diferentes graus de "intensidade de existência". É esta "intensidade" que propicia os momentos de "eternidade", no tempo fora do tempo, que são também aberturas sobre o mistério do Outro e, através dele, do "outro".

O que faz o loop (na imagem da "estrada russa" que faço dele) não «estranho», mas misterioso no ser natural e comum, é o retroceder envolvido no propulsionar-se adiante numa via que se abre no momento em que a circularidade se fecharia, como no desenho de Escher, não num movimento infinito, mas na paragem de todo o movimento: num ponto como aquele em que, engolindo-se uma à outra pela cauda, as duas cobras constituem um anel que se não pode apertar mais.

É inteiramente ao oposto deste aperto sem saída que me leva o "loop" que se me configura na reflexão que me suscita o poema "O Viandante" a continuar (como marco 83) "os poemas do Viandante" como "via rupta" na escrita e na vida. É uma arcada que se me abre sobre o mistério que só Ele sonda e conhece como sonda e conhece o mistério que sou. Só, porém, n' Ele, por Ele e com Ele, esta abertura acontece. E quando digo "Ele" poderia dizer também "compreensão", «demasiada realidade», Mistério.

Num novo post olharei através da arcada consoante ela se me for abrindo sobre o sempre apenas vislumbrado mistério.

domingo, 4 de abril de 2010

tocar a eternidade e não se aperceber disso

À medida que avanço em I am a strange loop vou-me dando conta dos dogmatismos de opinião que condicionam este loop particular que dá pelo nome de Douglas Hofstadter. Não posso senão lamentar todo o tipo de dogmatismo, seja científico seja religioso, que fatalmente constitui uma obstrução, um muro a fechar lá fora o Mistério, tratado dentro como um enigma para que se busca - e encontra (!)- solução. D.H. parece assim fechar-se a si mesmo (e a quem consiga convencer - à quoi bon?) num universo que culmina no "nível" das nossas percepções e dos instrumentos construídos e construíveis para as potenciar (ainda que fosse possível a sua potenciação ad infinitum nunca alcançariam nível algum acima deste...). Hipóteses, como a de um outro "nível" de realidade, são banidas, pela simples razão de não poderem ser validadas ou invalidadas no nível em que esta "ciência" se movimenta.

A imagem do loop agradou-me de início como representação simbólica da consciência que reflecte sobre si mesma, "recapitulando", abrindo os olhos à eternidade que, citando o Viandante, "já está aí", em cada instante vivo.

Que estreita a mente - "small soul", na verdade - a que reduz a eternidade àquilo que, dando-lhe este nome, nega e que, naturalmente, não posso senão negar também, tal sendo. Seria uma destas mentes "esclarecidas "(contadoras da "anedota") a vestir a pele de criança que, face às palavras "quem comer deste pão e beber deste vinho viverá para sempre", protesta como sendo uma grande mentira pois que muitas vezes vira a avó fazê-lo e tinha-a visto morrer. As crianças nascem com uma pré-sensibilidade ao símbolo no que ele comporta de abertura ao Mistério (das Offene chama Rilke ao que está "aberto" e que animais e crianças pequeninas têm diante de si).

D.H.fecha toda a abertura no momento em que reduz o símbolo a mero emblema ou signo, accionador de outros emblemas ou signos, em múltiplos e complexos loops sem saída que não seja nesse nível em que tudo desemboca e culmina. Não dista muito esta crença da de outrora no mundo plano.

Continuo, porém, a ler, na expectativa sempre gratificada de ir deparando com a derrocada dos muros construídos na ânsia de tapar as aberturas que a todo o momento discirno. Assim acontece quando leio Jean-Luc Nancy, sobretudo Noli me tangere em que instantes há em que "toca" a "eternidade" sem se aperceber disso.

sábado, 3 de abril de 2010

Viver em Cristo: a Páscoa cristã em cada instante

Em O tempo que resta , diz o Agamben, referindo-se ao incipit da Carta aos Romanos: «Trataremos (...) este primeiro versículo como se ele recapitulasse nas dez palavras que o compõem a mensagem do texto inteiro».
Importando «procurar compreender o sentido da palavra christos, ou seja, messias», é este o termo que privilegia (e.g. "vida messiânica" em vez de "vida em Cristo") ao arrepio do reconhecimento que faz de que o grego paulino não é «uma língua de tradução»: «nem grego, nem hebraico, nem idioma profano», mas a sua língua própria, com «o estatuto de uma língua de autor». Nesta língua que lhe é própria, não extravasará o termo Cristo o sentido de "Messias", ainda que em si o recapitule?
É da vida em Cristo que fala o Viandante na aproximação que faz entre a Páscoa cristã e cada instante em que, como seres no tempo, «morremos e ressuscitamos», sendo que a Sua morte e ressurreição «dá a esse instante uma dimensão absoluta». Viver em Cristo será, pois, viver a Páscoa a cada instante. Trata-se, diz-nos, de abrirmos os olhos e focalizarmos o olhar na eternidade que «já está aí».
Transcrevo as suas palavras, que acabo de glosar:
«Ao morrermos, ressuscitamos para a eternidade. Esta já está aí, embora sejamos cegos para o que está aí. A Páscoa talvez não seja mais do que um exercício de abertura dos olhos ou de focalização do olhar.»