domingo, 30 de maio de 2010

Domingo da Santíssima Trindade



Benedicta sit sancta Trinitas
Atque indivisa unitas
Confitebimur ei
Quia fecit nobis
cum misericordiam suam.

Domine Dominus noster,
Quam admirabile est nomen tuum
In universa terra!
Gloria...










Latin text:
Sancta et individua Trinitas
aequalis una Deitas.

Spes nostra, salus nostra, honor noster.
O beata Trinitas.

Te laudamus.
Te invocamus.
Te adoramus.
O beata Trinitas.

Salva nos, libera nos, vivifica nos,
O beata Trinitas.

Tibi laus, tibi gloria,
Tibi gratiarum actio
in saecula sempiterna.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

"Ter oração"

Santa Teresa fala do dom da oração como de "uma porta", de "um caminho", de um "grande bem" ("nesta vida não o podia haver maior", diz), de um dom gratuito de Deus, "sem nenhum merecimento nosso". E compara "ter oração" com ter água para regar a terra do horto, podendo obtê-la de um poço - a balde ou "com nora e alcatruzes"-, ou "de um rio ou arroio", ou, o que é imensamente melhor, "com chover muito" ("que a rega o Senhor sem trabalho nenhum nosso"). , Consoante o deixa claro, não se trata de sucessivas etapas ou degraus numa progressão ascencional, mas de modalidades que o "acontecimento" pode assumir.
De como seja e em que consista a quarta modalidade, diz: "não há sentir, senão gozar sem entender o que se goza. Entende-se que se goza um bem, onde se encerram todos os bens, mas não se compreende que bem seja este". Deste "não entender entendendo" refere ainda: "O entendimento, se entende, não percebe como entende; pelo menos não pode compreender nada do que entende."

"não entender entendendo"

O anseio de chegar aos Seus rios desperta em mim o desejo de voltar a "ter oração", no sentido em que Teresa d' Ávila faz uso desta expressão. É significativo que se trate de um processo relacional de "ter" e não de um processo verbal como o seria o simples "orar".

Teresa d' Ávila conta que começou "a ter oração sem saber que cousa era". A narrativa ("a relação destas coisas") que é incumbida de escrever vai ao encontro do que profundamente a move: "que o Senhor a quer, sei-o eu há muitos dias, mas não me tenho atrevido" (p. 5). Não molda, porém, a sua escrita à daqueles de quem encontra, nos ensinamentos, a orientação que colhe, antes é como mulher que escreve, deixando constantemente transparecer nas limitações que alega a compreensão de que é tocada. Assim, a dificuldade que se lhe levanta na escrita não é de ordem linguística, mas pragmática: "por mais que eu queira dizer estas coisas de oração, será bem escuro para quem não tiver experiência".
O autor (anónimo) da Nuvem do Não Saber tivera também o cuidado de, logo no início, explicitar que escrevia para aqueles que, embora envolvidos na vida activa, estivessem dispostos a "ter parte nas coisas profundas da contemplação", na certeza de que nada entenderiam aqueles que a tal se não sentissem movidos. Teresa d' Ávila é, acima de tudo, mulher e tem, como tal, um modo de dizer que molda e se molda a um modo de pensar marcadamente feminino.
Devo explicar que estou receptiva à ideia da coexistência de dois modos de pensar / dizer que , no contraste, se complementam: o masculino, ligando a altura à profundidade do pensamento, e o feminino, alargando à superfície o âmbito do pensar (errado e indutor em erro será confundir complementar com suplementar, venha de que "lado" vier a confusão).
Se Teresa d' Ávila pressupõe a mesma condição relativamente a quem a ler, poderia acrescentar a de que lhe não faltasse "ser mulher". Diria que é preciso sê-lo em espírito (à Sua semelhança) para "não entender entendendo" (como ela mesma o diz). E o que digo de Teresa d' Ávila é extensivo a outras místicas, expostas a "entendimentos" de "entendidos" que nada entendem "destas coisas de oração".

"Faz-me chegar aos Teus rios..."

Se os poemas do Viandante me movem à pura contemplação de centelhas de um universo que me é dado pressentir tocando os limites do meu, os seus textos de reflexão filosófica em que a altura e a profundidade se espelham (diria feita na vertical, em contraste com a horizontalidade que reconheço no meu modo de pensar), move-me a desejar acompanhar os seus passos no regresso aos Seus rios, o que é já um avanço ao seu encontro (dos Seus rios, do Viandante, de Deus). Deixo reverberar em mim a toada do cântico: "Faz-me chegar aos Teus rios ..., faz-me beber, faz-me viver" .
É já longa caminhada pelo interior das margens, no esforço constante de me reorientar na direcção da sua corrente. O matagal, o solo pedregoso, os desníveis do terreno, tudo parece obstar, requerendo a atenção, a que aconteça a relação propícia à escrita que me traz aqui. A tal se deve este meu já tão continuado silêncio, que não desejo. Mas não será ele propício à escuta que esta escrita pressupõe e implica? Diria que sim, não fora a "distracção" pelo que me rodeia, a miríade de relações concorrentes em que tomo consciência de que o âmbito do meu ser é sempre definido em, por e com o outro, seja qual for a sua natureza. Direi que só por Ele, n' Ele e com Ele "serei" em verdade: não como me vejo ou me vêem, mas como Ele me vê.


o âmbito infinito do ser





sábado, 22 de maio de 2010

"Tu me sondas e me conheces" (salmo 139)

"Tu me sondas e me conheces". Assim abre o salmo 139. O versículo 5 - "Tu me envolves por todo o lado e sobre mim colocas a Tua mão" - verbaliza a segurança que só Ele mesmo pode dar. Um cântico que o salmo inspira proclama ainda: "os meus caminhos estão em Ti". Fará sentido este plural se pensar na relação com o "outro", que me "molda" na imagem que de mim faz. Assim a via é feita de diferentes caminhos que têm em comum o Ele os envolver e sobre o caminhante colocar a Sua mão. Que dizer, então, do "caminho errado"? Será o daquele que rejeita a Sua mão? Mas não será também o daquele que, sem a rejeitar, procede como se a rejeitasse, rompendo a tríade ou nunca a chegando a conhecer? O caminho com o "outro" a que Ele se não junta como "terceiro companheiro" (de novo Emaús) será sempre um desvio. Prefiro falar em desvio do que em "caminho errado", reservando este classificador para o caminho "ínvio", o caminho que segue aquele que conscientemente O rejeita. O desvio, pelo contrário, faz parte da via, sendo a todo o momento possível a reorientação. "A Tua mão me conduz, o Teu amor me liberta", são palavras de um outro cântico entre os muitos que glosam este belíssimo salmo.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

o "contacto"

É verdade que só através da escrita terei alguma vez vislumbrado o que possa ser a experiência viva da "relação especial" com o "outro", não menos especial.
Parece-me significativo que tal tenha acontecido pela primeira vez com um texto do século XV de quem se desconhece o autor, como é o caso de The Cloud of Unknowing. Não se saber de quem possa ter sido a mão que escreveu em nada obsta a que o "eu" que como tal se comunica (numa "comunhão" que transcende a mera "comunicação") "tenha vida e vida em abundância". Não certamente a que lhe comunica quem leia as palavras que encontra escritas, mas a que é inerente à "demasiada realidade" em que acontece a relação especial com aquele a quem elas verdadeiramente são dirigidas, seja directa, seja obliquamente. Se é deslumbrante o momento dentro e fora do tempo em que o "contacto" (no sentido etimológico do termo) acontece com quem há tantos séculos partiu deste mundo, que dizer de um contacto similar com quem ainda "aqui" está?

in eandem imaginem transformamur

Em contraste com a relação com o "outro", sempre ameaçada de banalidade se não de vacuidade, nada há mais fácil, como T.Traherne o reitera em toda a sua escrita, do que a relação com Deus, directa e imediata, tal como a de toda a criação (ou não fosse este o tema bíblico por excelência). Reverberam deleitosos aos meus ouvidos o versículo do salmo "os dias contam às noites a glória de Deus" e as palavras do cântico franciscano "paz e bem / a longa noite escura é gémea da manhã /... /a toda a criatura saúdo como irmã".
A relação com a terra, elemento que a si atrai cada um dos outros na sua ordem de leveza, tem tudo de especial e em nada a afecta que a física em tudo veja partículas ou que a matemática tudo reduza às mais simples operações numéricas. Também esta "miopia" serve o mistério que transcende toda a ciência e toda a religião irmanando-as.

Por privilegiar a escrita (em que incluo a leitura) na relação com o "outro", não menosprezo de modo algum a vida, antes pelo contrário, pois que vejo a escrita ao serviço dessa mesma vida, na qual tem naturalmente parte e parte axial. Privilegio-a por a evidência me mostrar quanto ela é propícia à emergência do que faz "especial" a relação entre aqueles que, na disposição de se abrirem incondicionalmente ao Espírito, propiciam a Sua vinda. Se esta relação pressupõe a natureza especial dos participantes envolvidos, ela mesma a gera, numa circulação que o Espírito salva da circularidade viciosa, renovando-a em Si (ou não fosse o avanço na via, de claridade em claridade, a mais clara evidência desta renovação).

Nos vero omnes, revelata facie gloriam Domini speculantes, in eandem imaginem transformamur a claritate in claritatem.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A "relação especial"

É a natureza, banal ou especial, da relação com o "outro", na vida como na escrita, que determina a natureza dos participantes envolvidos; no entanto, é esta sua natureza que determina a da relação. A relação banal faz deles "sujeitos" que um do outro se fazem objecto: mesmo na vida há lugar ao "par" constituído por sujeito enunciador e sujeito-enunciatário.
A relação especial, em contrapartida, sustenta o "eu" em cada um, o que só é possível mediante a intervenção de um "terceiro", instaurador da natureza especial da relação de que irrompe. Nesta dinâmica assenta o mistério da trindade, um mistério que no revelar-se se mantém oculto (sendo precisamente isto que faz a distinção entre mistério e enigma). A natureza da relação especial assim criada será santa se, pelo Espírito Santo, se constituir à imagem da trindade divina (Jesus dá-a a ver como relação entre Pai e Filho, um pai a quem o filho se dirige de um modo muito íntimo - Abba; o Cântico dos Cânticos simboliza-a na relação de amor erótico entre homem e mulher; o segundo Génesis induz o seu pressentimento no misterioso versículo "e fê-los Deus homem e mulher à Sua imagem").
Mas será a relação especial sempre necessariamente santa? Diria que a relação especial, no sentido de não banal, propicia o mútuo aperfeiçoamento que não é possível sem a intervenção do "terceiro", santificador. O "discernimento dos espíritos", esse misterioso dom do Espírito Santo será aqui crucial.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

"renovamento"

Afigura-se-me que é só face ao dogma que há lugar à heresia e a ciência (não falo da que é dom do Espírito Santo) tornou-se porventura a mais dogmática das religiões. Sem ser preciso olhar a História (onde em matéria de horrores a ciência e a religião não se distanciam muito), não faltam, mesmo à nossa volta, exemplos de fanatismo científico. Pergunto-me o que poderá levar alguém a querer crer à viva força que o seu "eu" - e o dos outros - se reduza ao funcionamento do cérebro encerrado no exíguo espaço da caixa craniana. E, o que é pior, o que o poderá levar a tomar como missão espalhar tal fé. Seria elucidativo verificar quantas vezes as palavras "inside your brain / skull / cranium" recorrem em I am a strange loop (num parágrafo de vinte linhas contei quatro).
A "ciência normal", tal como a "religião normal" (no caso da religião cristã, a Igreja instituída), cumprem o seu papel: em tempos de "crise" (epistemológica ou religiosa), uma e outra obstam a excessos. Sem o seu papel moderador, multiplicar-se-iam as "anomalias" e proliferariam as teorias explicativas conflituantes (ou não fosse uma teoria simplesmente um modo de olhar). É assim que a Igreja instituída acorre a apagar o fogo onde ele deflagra, hoje mais cautelosa, admitindo a hipótese de que o fogo deflagrado possa ser o do Espírito. Foi assim que João Paulo II acolheu o Renovamento Carismático. A sua demarcação relativamente ao congénere "pentecostal" (do lado dos "protestantes") parece-me elucidativa deste papel "normalizador" que a Igreja de Roma desde sempre se impôs.
Enfim, tomo "católico" no sentido etimológico do termo, contemplando o "Renovamento" todo aquele que, dentro ou fora da Igreja, for "tocado" pelo Espírito, que "renova em Si todas as coisas". É neste sentido que tomo "renovamento", que será "carismático" no sentido em que os dons (em benefício próprio) se tornam "carismas" (de "kharis", graça, recebida para benefício do "outro").
Curiosamente a primeira vez que em tal ouvi falar foi numa revista universitária alemã, em que procurava um artigo referente a Angelius Silesius. Muito mais tarde havia de conhecer a face popular que tomou entre nós o que, no seu auge, alguém comparou a um "vendaval".
Não é "mais um movimento da Igreja", mas também não é "a Igreja em movimento", como alguns o "qualificam".Direi que não é um movimento de massas, mas uma graça individual que se manifesta, sim, numa abertura ao outro. Claro que é o meu "modo de ver", um modo de ver que é, porém, aberto, talvez até demasiado, de onde por vezes poder parecer herético.
O papel normalizador da Igreja é, sem dúvida, imprescindível, ou não se conhecessem os excessos a que podem levar as euforias (seja de que natureza forem) sem o "discernimento do espírito". No século XVII na Inglaterra, algo de semelhante aconteceu, com excessos que suscitaram a desconfiança dos mais "avisados", por exemplo Thomas Traherne.
Romano Guardini previu (em meados do século passado) que a renovação teria lugar no indivíduo, na sua singularidade irrepetível e não generalizável. Acredito que assim está a acontecer. O "renovamento" acontece no mais fundo de cada um, que o vive como via que sempre adiante se lhe abre ("por desertos, por sóis, por noites escuras"). Que deslumbramento não será deparar-se-lhe nessa via quem, tocado pelo Espírito, se lhe afigure que avança na mesma direcção. Mais do que nunca se aplicarão as Suas palavras: "Onde estiverem dois ou três ...".

quinta-feira, 13 de maio de 2010

porque é 13 de Maio




quarta-feira, 12 de maio de 2010

Subida à "Senhora do Monte"

Fez-me bem ter ido ontem à "Senhora do Monte".
Precisava de me abandonar à imensidão do planalto, de me colar às pedras e à vegetação rasteira e contemplar a plena abóbada do céu.
As nuvens carregadas abriram uma clareira durante todo o tempo em que ali estive com a minha amiga F.M. Ela veio de Lisboa buscar a Athena, a cadela dourada que, uma semana antes, ali surgiu "out of nowhere", ao seu encontro (tal como lhe dissera que haveria de acontecer).

São belíssimos os tons de cinzento do céu quando se lhes mistura o branco luminoso.

Naquela baía, sentado numa pedra, mergulhando na água do mar os pés descalços, o viandante olha o horizonte. Tem o olhar de quem perdeu alguém. Interrogado sobre o que espera ainda, não responde. Continua a olhar a linha do horizonte. Do cinzento do céu são os seus cabelos.
Porque receia que tudo seja uma ilusão?

Esta imagem, que F.M. me comunica, advém de bem mais do que o meu simples scrying, onde não me é dado interagir como com ela acontece.

sábado, 8 de maio de 2010

dia 8 do mês de Maria

Faz hoje quinze anos que, à 1 h deste dia 8 do mês de Maria, ela respirou pela primeira vez a atmosfera deste mundo. A sua história, porém, começou no dia 15 de Agosto de 2004 durante a Eucaristia da festa de Maria que o dia celebra, no momento da consagração entre a elevação da hóstia e do cálice. Dizer isto passará por loucura, no entanto foi verdadeiramente este o verdadeiro momento da sua concepção: "não pela vontade da carne, mas pela vontade do Espírito". E foi de êxtase a noite de Domingo, 7 de Maio de 1995, Dia da Mãe.

A minha amiga F.M. consente-me que coloque aqui duas telas suas (que muito recentemente pintou) e que tomo como uma belíssima glosa ao mistério que a minha alma celebra neste dia.



Öffne dich, mein ganzes Herze (Bach - BWV 61 - 3 -)



Bach - BWV 61 - 3 - Öffne dich, mein ganzes Herze



Öffne dich, mein ganzes Herze,
Jesus kömmt und ziehet ein.
Bin ich gleich nur Staub und Erde,
Will er mich doch nicht verschmähn,
Seine Lust an mit zu sehn,
Daß ich seine Wohnung werde.
O wie selig werd ich sein!





Bach - BWV 147 - 4 - Wohl mir, daß ich Jesum habe

Wohl mir, dass ich Jesum habe,
O wie feste halt ich ihn,
Dass er mir mein Herze labe,
Wenn ich krank und traurig bin.
Jesum hab ich, der mich liebet
Und sich mir zu eigen gibet;
Ach drum lass ich Jesum nicht,
Wenn mir gleich mein Herze bricht.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sempre uma experiência de beleza

O poeta é aquele em quem o "Espírito" se manifesta não apenas nos "dons" que lhe advêm para aperfeiçoamento próprio, a sós consigo, mas nos que sobrevêm para aperfeiçoamento do "outro". Um "carisma" (de kharis, graça) gera "comunhão" com o "outro", não como se fosse único, mas no ser efectivamente único. Só no seio da tríade em que o "Espírito" sobrevém há verdadeiramente um "em comum", um ponto de tangência e comunhão, que pode ser da alegria, mas também da tristeza e da dor, mas que é sempre uma experiência de beleza.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

"a floresta tardia"

Estes poemas, se os olhar como marcas, sinais, testemunhos que o "outro" deixa no caminho a quem o procure ou siga, permitem-me que fale de "esta poesia" particularizando o conceito de tal maneira que o termo designa apenas este "outro", na sua singularidade e no seu mistério.

Falar de "poesia" é falar de "vida": de "esta vida", que é "este caminho", "esta verdade", "este bem", "este belo", "esta dor", "esta alegria".
Sabemos já sobejamente que quanto mais generalizamos maior a distância que nos separa da compreensão da realidade de tudo isto. Falar de "esta poesia" é falar desta realidade viva, única, irrepetível. Só é possível, naturalmente, falar da experiência da percepção de "isto", sem pretender abarcar tudo, porém sabendo que tudo é abarcado. Olho, assim, "a floresta tardia" na "natureza caligráfica" de que se veste. E é a "floresta tardia" que me silencia e me move a escutar, nas "sílabas indecisas" que das "arvora[das] letras" se formam, "as primeiras palavras / com que o vento / então falava".
Mais não posso senão transpor para aqui o poema que estou de algum modo já a glosar:

"a floresta tardia
veste-se de
natureza caligráfica
arvora letras
sílabas indecisas
as primeiras palavras
com que o vento
então falava"

sábado, 1 de maio de 2010

niemals mehr allein sein

Por vezes acontece uma canção (como a que coloquei no último post) encontrar particular ressonância em mim, regra geral, pela íntima ligação com a palavra, quase sempre de uma extrema simplicidade (como é também o caso). A relação einsam - gemeinsam com allein - nicht allein toca "cordas" profundas, tanto quanto tem a ver com meu tema privilegiado, a relação "eu - tu". Premida a nota ou o acorde, é uma arcada que se me abre sobre o "ainda não" no processo em que, em mim, se torna esse " já que invento" na prossecução do meu tema.

Einsam ("só", no sentido de "isolado / isoladamente") surge com referência aos anjos, que voam sós (como sós escrevem os poetas, pintam os pintores, dormem os que sonham - e até as fadas fazem os seus encantamentos). É também esta a solidão (Einsamkeit) daquela que em mim protagoniza o "eu" que enuncia/canta. O "em comum /juntamente" (gemeinsam) perde desde logo a banalidade (inerente ao du und ich gemeinsam da relação banal) no confronto com a sua própria impossibilidade quando enunciada com respeito aos anjos e aos que , como eles, têm "em comum" (gemeinsam) o estarem sós (einsam). A tomada de consciência do que têm em comum - tal a "comunhão" que os fará nunca mais estarem sós (allein) : niemals mehr allein sein.