terça-feira, 31 de agosto de 2010

descer ao jardim

«As coisas que amamos dizem o que somos», escreve Merton, e nada me parece mais verdadeiro.
Privilegio a imagem do jardim para figurar o espaço (não espaço) aberto a tudo o amo, como se à porta tivesse um guardião que melhor do que eu mesma soubesse o que deve ou não deve entrar. Quase sempre ficam de fora as minhas ficções em torno do que lá tem entrada.  Lá dentro, é como se, despida de mim, me sentisse, ao mesmo tempo, eu mesma e o amor em que contemplo o que em mim o suscita. 

Só posso descer ao jardim quando tenho «a casa sossegada», o que, nestes últimos tempos de deserto, tem sido difícil. Continuo a experimentar grande resistência à ideia da «mortificação» e da «penitência», mesmo como Merton as perspectiva. O sofrimento, se parece inerente à condição humana neste mundo, não pode nem deve ser encarado (e muito menos desejado) como via de purificação dos sentidos ou do espírito. Se tal acontecer será por acréscimo, não como resultado. Não é a ascese, mas o fogo do Espírito que purifica, sendo necessário da nossa parte o nosso sim incondicional.  O nada que é o tudo. O que há de mais fácil e de mais difícil, pois que implica despojarmo-nos de nós mesmos, que é despojarmo-nos das histórias em que nos assumimos narrador e protagonista. Para tanto é preciso reconhecê-las como tal e vê-las «em perspectiva». 

Aquela que, em mim, desce ao jardim não protagoniza qualquer história nem tão pouco a narra. Sou eu que o faço quando a olho. Ela simplesmente ama: Ama-O nas «coisas» e n' Ele as ama, sem carecer de retorno. Mas como me despojar de mim para ser inteiramente nela e acolher no jardim - o mesmo é dizer no Seu amor -  «o que vem» e é já, ou não fosse o próprio Amor?

domingo, 29 de agosto de 2010

«let go»

T. Merton encara o desapego das coisas, o «deixá-las ir»,  como condição de as «ver em perspectiva» e de as «começar a apreciar como elas são». Se, como é consabido, nunca acederemos às coisas em si (somos a cortina que não podemos retirar e ver o que fica), nem por isso deixamos de as poder «apreciar como elas são», ou, nas palavras de Traherne ou Silesius, «na mente de Deus». Da mesma maneira podemos partir da «compreensão» das coisas sem nunca a alcançar. Transcrevo as palavras de T. Morton (traduzir é sempre adicionar uma cortina extra, como se não bastasse a que é cada um interpondo-se entre si mesmo e o que lê):

«We cannot see things in perspective until we cease to hug them to our bosom.When we let go of them we begin to appreciate them as they really are. Only then can we begin to see God in them.  Not until we find Him in them can we start on the road of dark contemplation at whose end we shall be able to find them in Him».
"Coisas" está por tudo aquilo de que, no próprio acto de vermos, fazemos objecto e  de que temos de largar mão e «deixar ir» («let go»).  Se assim é em relação ao que  (por via) de nós vem a este mundo, como não em relação ao que neste mesmo mundo se nos depara e que queremos não perder tanto quanto se nos afigura raro e precioso?  Raro e precioso é tudo aquilo que se anima e resplandece sob o Seu sopro, que nada pode prender, nem mesmo o instante em que acontece. Que resta depois?

Talvez a resposta a esta pergunta esteja no fecho a dar ao conto a várias mãos suscitado pela observação  do meu pai sobre o velho tronco de carvalho a arder na lareira: «estamos a libertar o sol de há cem anos».Vemo-lo nas brasas e aquecemo-nos ao seu calor, mas não o podemos guardar. Se a  criança do conto provou que a sua pedra negra tinha o sol dentro ao lançá-la na fogueira, o certo é que não a encontrou depois entre a cinza quando a quis recuperar.  Que poderá significar esta inevitável conclusão no plano da representação simbólica, para além da redução do símbolo a alegoria  atribuída que lhe for uma significação? 

Ficou ainda o mais importante na citação de Merton que é começarmos a encontrá-lO nas coisas vistas «em perspectiva» para, então, iniciarmos a via da «escura contemplação» que levará a, finalmente, as encontrarmos n' Ele. Thomas Merton enuncia aqui o que me faz sentir esta firme certeza do passo que leva  o místico ocidental mais além no caminho da «compreensão» de que parte.

sábado, 28 de agosto de 2010

um modo de oração para esta etapa

Vir aqui de manhã cedo e tentar prender na escrita o que colhi de partilhável neste diálogo com o que  em mim mesma me transcende será talvez o modo de oração mais adequado a esta etapa do percurso. Se é meu desejo perfazê-la, este desejo mais não será do que a refracção em mim da vontade de quem, com o meu consentimento pleno, lhe orienta o rumo. Na verdade, já de há muito, na oração da manhã,  isto que se foi tornando um modo de reflexão dialogante se foi substituindo à pura quietude contemplativa do início, como se o deleitoso «olho-Te, olhas-me» e a «canção de Jesus» equivalessem a esse leite materno de que fala S. Paulo, que cedo ou tarde tem de dar lugar a alimento mais sólido. Às "fulgurações"  quase epifânicas sucederam-se  cintilações e agora estas como que fagulhas que saltam e logo se apagam. Terão, porém,  a potencialidade de queimar o que houver de ser queimado e, como o creio e quero crer, de incendiar o que houver de arder com uma nova chama. É inquestionável que a desejo e por ela ardo  pressentindo-lhe a inteira e inimaginável novidade. Como há-de ela arder se não sob o Seu sopro?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

«Viver é o ajustamento constante do pensamento à vida e da vida ao pensamento de tal modo que ambos estão continuamente a crescer, experienciando coisas novas nas velhas e coisas velhas nas novas. Assim a vida é sempre nova». Trago aqui este pensamento de Thomas Merton (colhido em Thoughts in solitude) para com ele retomar a minha entre-cortada linha de reflexão, agora que, com a chegada de Setembro, este mês sempre impropício se aproxima do seu termo. 

Se me interrogar se terei feito algum progresso no caminho apenas reconheço que diligenciei no sentido de, como propõe Merton, olhar as coisas «em perspectiva». Será o que Traherne chamava «hav a Mind ... set in frame».Durante tanto tempo reservado para a altura certa, esta parece ter chegado. Falo de não ser por acaso que Merton me é presente agora. Logo ao abrir o pequenino volume dos Pensamentos deparei com um, que é afinal aquele que tenho desejado saber seguir na «compreensão» da poesia, que me fascina como sendo duas vezes obra da Sua mão. Trata-se de «penetrar na sua realidade, na sua actualidade [no sentido etimológico do termo], na sua verdade, que não pode ser descoberta se não sair de mim mesma e me deixar  ficar para trás para a ver em perspectiva».

domingo, 15 de agosto de 2010

Uma mulher vestida do sol



A assinalar um dia muito especialmente consagrado a Maria. Não é o dogma da Assunção que faz de Maria a «mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça».
(imagem colhida aqui)


sábado, 14 de agosto de 2010

«fazer imagens»

Resisto ao desejo de «fazer imagens» de alguma coisa que, por natureza, requer a ausência de imagens a interporem-se entre si e mim. É diferente, porém, quando as imagens acontecem. É como se de imagens só tivessem a designação, dada a sua natureza etérea, sem suporte físico, nem mesmo o da luz de que são feitas. Não entrando na sua "criação" a minha vontade, sendo-me "dadas", olho-as como manifestações de um qualquer traço que é importante para mim conhecer naquele que tem o por vir por essência, na plenitude do momento em que é nesse traço.
Só agora começo a perceber que aquela espécie de filmes que, com maior ou menor definição (por vezes meras sombras), tantas vezes me acontece ver desenrolar-se diante de mim podem ser entendidos como  "viagens exploratórias", não sei se dentro, se fora de mim. Como é que durante tanto tempo o não percebi? Tanto me surpreende quanto sempre tive consciência da natureza dinâmica dessas imagens projectadas na tela a três dimensões do espaço circundante.
Tal não é, pois, «fazer imagens à semelhança» seja do que for.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

o mais belo poema de amor

Todos os dias o correio me tem trazido o presente de aniversário que decidi oferecer a mim mesma - falo dos livros que encomendei à Amazon, quase todos em segunda mão, a pouco mais do que o preço do porte.
Retomei, de facto, os velhos hábitos de leitura (tenho outra vez um livro à cabeceira), agora que já não o faço por imposições científicas. Algo de singular está, no entanto, a acontecer. É que, em cada um que tomo e começo a ler, encontro uma "mensagem" a confirmar o que mais desejaria ver confirmado na minha maneira, de outra forma, idiossincrática de olhar a relação com o «outro privilegiado». Aproprio-me do termo de R.M. embora ele o use num sentido bem mais "convencional" do que eu, que o qualificaria como aquele que vem sendo-lhe inerente esse «por vir». Aquele que não se perde nem se prende num abraço e nenhuma sombra intimida ou afasta.
Para ele escrevo e porventura sempre escrevi aguardando-o.
Um dia verbalizei o sinal por que se me dava a conhecer o mais belo poema de amor: leria sempre um tal poema como sendo-Lhe dirigido (esta forma de dativo invariável em género é a mais adequada que poderia encontrar). Hoje, diria que essa destinação lhe é inerente mesmo que não haja qualquer sombra de explicitação: ela imbui o poema, cujo campo e teor pode ser de qualquer outra natureza. Sente-se, respira-se o Tu que faz dele um "poema de amor", sempre, no momento, o mais belo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

continuando...

Se distingo hoje vários ciclos ou etapas da viagem, marcadas cada uma delas por um modo especial de encontro com a poesia, sinto ser-me agora reclamado um maior distanciamento de mim mesma na impossível mas tão desejada aproximação da compreensão do outro.
Que dizer, porém, quando o outro se torna a pura resposta à voz que o chama a perder-se de si escutando-a? Será a reverberação dessa voz nestas palavras o espírito que vivifica o corpo e a alma do poema que elas são?
Não faz por isso sentido perguntar, como antes, o que me dizem, sendo de mim mesma que apelam a que me liberte. É como se me arrancassem à história que desisti de contar face às tão diferentes versões que dela leio, narrativas que não protagonizo de tão estranho me ser o "eu" em que se centram.

reflexões caóticas

Os dias têm-se sucedido numa ordem de reflexão demasiado caótica para ter conseguido organizar a partir dela um texto com um mínimo de coerência. Tal a razão deste meu já prolongado silêncio aqui, não obstante o quanto há a dizer e que deixei suspenso.
Se, como refiro no último post, vi confirmada uma intuição profunda que sempre me fez pressentir algo de errado na instituição da família - núcleo centrado em si mesmo, constituindo como tal um alargamento e reforço do ego individual - , voltei a colocar a questão nunca resolvida do que é «libertar-se de si» «perder-se de si». Sempre o quis entender como um meio para um fim: perder-se de si para O encontrar, e, encontrando-O, encontrar-se, num retorno sem retrocesso que me fez sempre ver na via mystica no Ocidente um passo além daquele por que se deixa ficar o misticismo oriental (chamemos-lhe assim). Como se o caminho se abrisse, outro, na outra margem insonhada. Algo mais face ao qual a perda de si mesmo no seio do divino representada na velha metáfora da gota de água que cai no mar (ou mesmo da «particulazinha da criação», como se vê Santo Agostinho, que vive inquieta enquanto não repousar n' Ele) constituísse um meio para um fim.

Mas não estarei eu a justificar-me perante mim mesma do que, de outra forma, representa um erro com sequelas graves que nunca soube enfrentar senão contornar? Posso, como Traherne, deitar as culpas aos «costumes dos homens», a uma organização da sociedade em que a instituição "família" representava a maior segurança, se não em termos económicos (na altura já tinha as condições para assegurar a minha própria subsistência), certamente em termos sociais. Aos vinte anos afigurou-se-me uma plataforma estável de onde a qualquer momento poderia empreender o ansiado voo no divino, com muito mais liberdade do que se optasse pela vida religiosa instituída (a que era, pelo que dela sabia, inteiramente avessa). É já proverbial o «cuidado com o que pedis nas vossas orações porque podem ser atendidas». E assim foi... Pedi e fui atendida.
Quando o "espirit(ual)ismo" diz que temos um papel na nossa vinda ao mundo (ao arrepio do «não fui consultado no acto de que nasci»), sinto-me tentada a dar-lhe razão. Mas mais não é do que isso mesmo: mais uma tentativa de decifrar o que não é decifrável não se tratando de um enigma, mas de um mistério. Os "fenómenos", porém, persistem para além de todas as explicações que se lhes procure dar. E nunca poderei negar o "fenómeno" que me fez dar sem hesitação o passo mais decisivo que jamais voltaria a dar na vida. Cedo demais? Sem dúvida. Mas só muito cedo é que se dão passos destes sem hesitações.
Não digo ter sido um erro uma vez que o caminho teria sido outro se outro tivesse sido o passo e o que o caminho me tem revelado dá a tudo a sua razão de ser. Tudo se concatena.
Porquê esta impaciência? Porquê este constante antecipar mental do que possa vir com o inerente medo de o perder pelo que fizer ou não fizer nesse sentido? A experiência diz-me que o que vem se revela sempre para um muito maior bem em termos de avanço numa nova claridade do que o que antecipei, quase sempre ao encontro de desejos do eu superficial e dos seus projectos egocêntricos de felicidade. Não sei eu que os devo abandonar?

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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

«sincronicidade»

L. Dossey chama-lhe o «anjo da biblioteca» e se os pensamentos são «anjos que enviamos lá fora» (T.T.) será o seu encontro que explica o fenómeno da «sincronicidade» ( Jung). O certo é que ao abrir o livro Son of Man - The Mystical Path to Christ (de Andrew Harvey) deparo-me com o passo que me suscitou as reflexões dos dois últimos posts. O livro não é meu; uma amiga minha, de passagem para o norte, trazia-o consigo como leitura para uns dias no campo. Claro que o título não podia ser mais apelativo para mim, mas uma reflexão sobre o passo em questão seria a última coisa que poderia esperar encontrar nele.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

o poético e o sagrado: when «Sence stands By»

Muitas vezes tem acontecido buscar um determinado passo bíblico e deparar-se-me um outro que me prende e em que fico a meditar. Conforme me apercebo depois, ele responde-me à questão que, a um nível mais profundo, me levou à procura do passo inicial. Foi assim que, uns versículos adiante de Luc 12:51, estas palavras se destacaram do texto como se carregadas de uma especial energia: «Porque não discernis, por vós mesmos, o que é justo?» (Luc 12:57). Reconheci, então, quanto é inútil, vão e até contraproducente insurgir-me face a interpretações tendenciosas ou mesmo malévolas das Suas palavras arrancadas nesse intuito não digo ao contexto (pois que a tal o texto se presta), mas ao todo da Sua palavra, de onde há que partir , apesar de ou, precisamente, devido a infinitamente nos transcender.
Na verdade, é sempre possível forçar a letra ao sentido que se lhe pretenda dar e tal acontece com qualquer texto. É consabido que de uma proposição trivialmente literal se podem fazer leituras elaboradas e profundas, tal como acontece com a célebre frase que Chomsky compôs no intuito de que fosse sem sentido (colourless green ideas sleep furiously ). Que dizer, então, de um texto que se espera que seja não apenas simbólico, mas também sagrado? S. Jerónimo coloca mais do que um problema de tradução nestas palavras: «ubi et verborum ordo mysterium est». («onde até a ordem das palavras é mistério»).
Traherne, num poema que se apresenta incompleto devido à página rasgada do manuscrito (facto a que também é possível atribuir sentido se tomado como inerente ao "texto") vai ao encontro desta tomada de consciência. Destaco apenas um passo (colocarei no blogue que consagro a Traherne as quadras constantes do que ficou do poema assim deixado em aberto):

Heer’s nought but whats Mysterious
to an understanding Eye:
Where Reverence alone stands Ope,
And Sence stands By.


Tentei uma tradução com rima:

Aqui nada há que não seja mistério
aos olhos da compreensão:
onde só a reverência fica aberta
e o sentido em suspensão.



As palavras de Traherne aplicam-se não só ao texto sagrado, mas a todo o texto poético, na certeza de que o sagrado, como o poético, não são propriedades da linguagem, atribuíveis, como tal, a este ou àquele texto, que a perícia do analista possa evidenciar.

domingo, 1 de agosto de 2010

«vida em abundância»

Tal como Traherne também Lawrence vê nos «costumes dos homens» a origem do mal. Combate-o em nome daquilo que no homem corresponderá, como diz, à floweriness da flor (já Angelus Silesius com a sua «rosa sem porquê» suscita uma reflexão no mesmo sentido). Lawrence não conseguiu, contudo, alcançar a compreensão a que as suas próprias palavras faziam apelo, perdendo-se naquilo que, à superfície, desafiava os juízos "morais" ou seja, no sentido etimológico do termo, oriundos dos "costumes dos homens", num campo então por excelência "proibido" (como era o caso da sexualidade).
Já Traherne fora mais longe ao discernir a raiz do mal na direcção errada para que, desde cedo, o ser humano é orientada no que chamaríamos hoje o processo de "sociabilização". Rilke, que certamente desconhecia a existência de Traherne, explicita a mesma "revelação" quando diz que a criança é cedo obrigada a «olhar para trás, para o mundo interpretado», deixando de ver adiante « o Aberto» como o animal e o anjo o vêem diante de si.
Hoje, mais do que nunca, a criança é industriada à força nos novos "costumes" que, diametralmente opostos aos victorianos que Lawrence combateu, parecem ser bem mais destrutivos da sua essência trina de corpo-alma-espírito, à Sua imagem. No entanto, realizá-la em plenitude, como a flor realiza a sua essência de flor, será sempre a razão por que estamos aqui e Ele veio para isso mesmo: para que tenhamos «vida e vida em abundância» .

A «espada» e a «divisão»

Certos passos de Thomas Traherne fazem pensar em D.H. Lawrence, abstraindo, naturalmente, dos diferentes rumos que um e outro seguem. Ambos expressam o mesmo fascínio ante a vida e ambos se confrontam com os males que, nas respectivas épocas, a ameaçam enquanto tal (diria enquanto «vida e vida em abundância», de que Ele fala quando diz que veio para que a tenhamos). Ambos combatem esses males denunciando-os, expondo-os como tal. Travam o bom combate, trazem a «espada», a «divisão» que, Ele, que é a paz e nos dá a Sua paz, anunciou.

Sabemos bem a que interpretações perversas as Suas palavras (estas e outras) foram sujeitas e que ignóbeis e, por essência, anticrísticos fins foram alcançados «em Seu nome», utilizando-as. L. Dossey (2001), em Healing beyond the body: medicine and the infinite reach of the mind (um antídoto eficaz contra o veneno de I am a Strange Loop) imputa às religiões fazerem instrumento das «paixões implantadas nas camadas primordiais do cérebro triuno» que estão na base de um «impulso para a guerra» que lhe parece inabolível. Ao mesmo tempo que aponta a «excepção abençoada do Budismo», corrobora a interpretação perversa de Mat 10:34 (e Luc 12, 51), dela se servindo como "fundamentação", buscando-a onde não está.

Como é possível que não veja que a solução que propõe está precisamente nessa «espada» que Jesus veio trazer? Cito (na minha tradução) o passo em que explicita essa solução: «A resposta não é abolir a belicosidade (como se o pudéssemos fazer), mas encontrar modos menos violentos de sermos guerreiros - possivelmente tornando-nos guerreiros na defesa da terra e do ambiente, ou guerreiros contra [...] o sofrimento humano em todas as suas formas, por outras palavras, praticando a compaixão».